quarta-feira, 24 de abril de 2013

Viagem

Ruth Guimarães

Você já viajou num sacarolhas? Há um entre Curitiba e Ponta Grossa, oitenta e cinco quilômetros de estrada asfaltada, caracolando pela Serra do Mar. O viajante estagia na subida, em meio do caminho. No ponto mais alto, há uma espécie de nicho natural, na pedra uma dessas comoventes santinhas de gesso, uma Nossa Senhora que, a nosso pedido, tornará a viagem propícia. A serra se inclina, estende-se o peneplano, alongam-se os vales, desse verde-gaio lindíssimo, peculiar á paisagem paranaense do sul, vista-se longe, como um aglomerado de cristais cintilantes, a cidade de Curitiba. O fruto do sul, terra dadivosa, está ali, ao nosso alcance, em carrinhos e caminhonetas, num comércio que é lindo: grandes uvas escuras, vidradas, translúcidas, e a pêra comum, verde-claro, e o pêssego, feito de cetim e de mel. A melancia, em grandes talhadas vermelhas, tauxiadas de preto. Depois disto é descer. As pastagens conservam o tom verde-cana, verde-alegre, tão claro! Tão uniforme! Tapete que semelha veludo e musgo. Céu sem nuvens, dia nítido, calmaria, árvore nenhuma, riozinho aos saltos descendo, leitos de pedra curiosamente escavados em degraus. È uma paisagem muito original, como disposição e colorido. Já se revelou a sua peculiaridade, que, aos poucos, se acentua. Às margens da estrada o saibro grosso, claro, brilhante, reclima sob o passo. Na verde alcatifa que cômoros são aqueles? Cupim; como nos vales de criação da Terra paulista? São blocos de pedras, que se multiplicam, marcando de estranha cor entre violeta e vermelho, o verde ridente.

Então A Bela Adormecida, a cinco minutos de Ponta Grossa, (a segunda cidade do estado) a meio desviada da rota, no alto de morro que começou apenas a se alterar em meia laranja e já foge em encosta para todos os lados, aparece a VILA VELHA. O nome sugere uma dessas cidadezinhas pacatas, decadentes, de patinados sobradores e casas coloniais, com velhinhas faladeiras nas janelas e um antigo chafariz na calças compridas, cabeleiras dançarinas, máquina fotográficas. O pequeno bar que há lá em cima faz uma féria ponderável. Não são exagerados os seus preços e encontram-se quase tudo que se quer nessas ocasiões: o sanduíche, o refrigerante, o drinque, a água mineral, o queijo, a fruta. Leite não há. Não esqueça, pois de levar cheia a mamadeira da filhinha.

Mal as sombras do poente começam a obscurecer as tintas gloriosas do céu e da terra, põe-se em fuga o bando inquieto dos turistas, que, mais que tudo, temem a sombra e a solidão. E Vila velha fica sempre ficou-entregue ao vento, o seu amante e o seu inimigo.

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