terça-feira, 30 de abril de 2013

Veríssimo

Ruth Guimarães 

Érico Veríssimo morava, nos seus últimos tempos, e há muitos anos, num casa de feitio tradicional, na Tristeza, entre cinamomos, daquele verde carregado comum à paisagem sulina. O que nos impressionou mesmo nessa época, além do escritor que tinha uma aura bastante expressiva foi a porta da casa, largamente aberta, para o jardim. Durante a nossa visita muita gente entrou por ela. Chegou uma delegação de estudantes de não sei onde, depois umas moças, e depois mais gente, e a todos ele atendia com aquela voz mansa e aqueles olhos entristecidos que pareciam pertencer ao moço Amaro, de Clarissa, o seu primeiro romance. Foi o escritor mais acessível que já encontramos. 

- A minha porta está sempre aberta – disse. Gosto de gente. 

Escritor vitorioso de dezenas de livros, depois de José de Alencar é o maior romancista do ponto de vista de estrutura, que tivemos, maior do que Machado e do que Graciliano. Não se sentia no entanto realizado. As grandes tiragens de seus livros de grande público não o satisfaziam. Demais a crítica sempre o malhou com vontade. Até o grande Mário de Andrade tirou a sua casquinha, e tratou com bastante ironia o romance da série da Clarissa, por uma infeliz colocação de músicas de Beethoven, e outras nugas. 

Quando se diz que Érico Veríssimo é mais romancista do que Machado e Graciliano, não se fala do aspecto literário intrínseco, evidentemente, mas do aspecto estrutura. Além do mais ele é insuperável como contador de histórias. As implicações contidas nessa avaliação o aborrecem. Apesar de se dizer “contador de histórias”, repetindo o que os críticos também dizem, ele o faz com uma ponta de amargura: 

- Sou contador de histórias, e, pela reação dos que me ouvem e dos que me lêem, percebo que esse ofício não tem lá muito prestígio, considerado como é uma atividade inferior. 

Érico Veríssimo cita E.M. Forster, em Aspectos do Romance, que afirma: “A história é uma forma inferior de Arte.” 

- Discordo – diz ele, defendendo-se calorosamente – Homero foi um contador de histórias. Charles Dickens também. O importante é que a história seja bem contada, que interesse, comova, esclareça, intrigue, edifique o leitor. 

Érico se diz escritor menor, afirma que não poderia escrever eliminando de caso pensado os problemas e dramas do homem, que o assaltam todos os dias, mal se abre um jornal ou se ouve um noticiário: guerras, fome, injustiças, mentiras publicitárias, interesses industriais e comerciais, mantidos à custa de vidas humanas, falta de liberdade, torturas policiais. 

E conclui: 

Quando todos os problemas econômicos, políticos e sociais do homem estiverem resolvidos, a angústia do homem ante a morte, o amor, a inveja, a cobiça, a vaidade, hão de ser sempre assunto literário. 

Confessa que não omite nos seus livros os aspectos sociais e políticos da nossa época e neles está a compaixão humana 

- Qual deve ser, pois a atitude do escritor? 

- Primeiro não fechar os olhos às injustiças sociais, por medo da crítica ou da polícia. 

O autor de O Tempo e o Vento, de Um Certo Capitão Rodrigues e de O Continente, a sua trindade maior, é dos poucos escritores brasileiros que conseguiu viver da pena. E como vendesse muito, teve também contra si o preconceito dos intelectuais, em geral, de que o livro que se vende muito, o que cai no goto do povo, é o livro fácil, novelão, com um mínimo de qualidade artísticas. 

A esses comentários ele opôs a sua modéstia de sempre: 

- Não tenho ambições maiores. Sou apenas um contador de histórias. 

E saiu para fazer, devagar, a caminhada diária, de 2 a três quilômetros, a conselho médico, depois do enfarte que o enviou às portas da morte. 

Escritor premiado, Érico tem um livro, fora da série de Clarissa, e diferente dos seus romances de vida gaúcha, bem como dos livros de viagem, - Gato Preto em Campo de Neve, Incidente em Antares, e outros. Trata-se de Olhai os Lírios do Campo, livro que pode ser posto em mãos de adolescente, pela lição de vida que contém, e pela mensagem de esperança no aprimoramento e na direção para cima e para o alto, do espírito humano. Com esse livro Érico inaugurou uma carpintaria de romance, quando ao mesmo tempo conta a história presente, e, durante uma viagem (do personagem indo de carro, às pressas, ver a antiga amante que morria) vai contando os incidentes da vida passada. 

Ao mesmo tempo é uma lição de vida, de coragem, de otimismo: que o homem ressurge de si mesmo. Que ainda existe o altruísmo no mundo. Que não é o dinheiro, não é a fama que contam.

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