terça-feira, 30 de abril de 2013

Utopia

Ruth Guimarães 

Parece uma utopia o que uma Associação começa a fazer neste momento, isto é: um grupo de sonhadores se movimenta para valorizar a nossa desvalorizada brasilidade. Fundaram para isso uma Associação, uma ONC (SOCIEDADE DOS OBSERVADORES DO SACI), com sigla SO-SACI, Organização não capitalista. 

O objetivo é levar ao povão, ledor e não ledor, o conhecimento do folclore brasiliano, tão mal conhecido e tão mal interpretado por todos aqueles que o usam e que são todos da comunidade, e aqueles que vivem subconscientemente. 

O que detonou tal movimento foi a verificação de que principalmente em estabelecimentos de ensino estadual comemora-se (leram sim corretamente) comemora-se o dia 31 de outubro à maneira do Halloween, dia das bruxas, nos Estados Unidos. E é uma correria nas escolas tupiniquins. 

Temos raros registros de bruxas. Esse duende não freqüenta os nossos lares. É um acontecimento se aparece uma bruxa, geralmente quando o nenê acabou de nascer e está entre rendas e fraldas no seu bercinho. Mas não tem nada, não. Uma tesoura aberta, no bercinho, afugenta a indesejada. A bruxa não foi adotada e adaptada aos nossos costumes, segundo a lei de Propp, de maneira a se tornar especificamente nossa. 

Dizíamos que é uma correria em escolas de 1º. e 2º. graus para comemorar o dia das bruxas. Correria para conseguir abóboras e morcegos de plástico, roupas pretas, para todas as crianças que tomam parte das representações, chapéus afunilados e narizes pontudos, máscaras horrendas, monstros e feiticeiras. 

Foi contra essa desnacionalização do folclore nosso de cada dia que se insurgiram, entre outros, o Professor Vladimir Sacchetta, e Mário Cândido, este último o atual presidente da Sociedade. Tomaram, como deidade símbolo, o Saci. Haverá, pois, um fogo de encontro entre o saci e as bruxas. 

A apresentação do mito Saci é de clara ascendência indígena. A Tapera da Lua, recontada por Afonso Arinos, nas Lendas e Tradições Brasileiras, refere-se a uma aldeia que ficava perto de uma lagoa tranqüila, nas fraldas da serra chamada do Taperê, hoje do Acunã. Uma guerra infeliz reduziu a tribo a dois sobreviventes: irmão e irmã. A irmã foi habitar a margem do lago Iaci e ele o alto da serra. Apaixonou-se a irmã pelo irmão e ia procurá-lo em sua rede, na escuridão da noite, misteriosamente, até que um dia sentiu as faces umedecidas. Mirando-se pela manhã nas águas do lago, viu que tinha o rosto pintado com urucum, e esta tinta não sai. Compreendeu então o horror de sua posição e, manejando o arco despediu uma flecha para o céu, transformando-se em lua. 

Jaci, a lua, confunde-se com Yaci, o lago. Também há que se notar Jaci, de já=vegetal e cy=mãe. Taperê, a tapera, e Taperê, a serra, hoje chamada Acunã. Como elemento básico e determinante do mito, a necessidade de explicar as manchas e fases da lua, cosmogonia Tupi. É possível que de uma vara de flechas tenha surgido o mito Saci, de uma perna só. Talvez. 

É possível que a forma Sacy de uma perna só tenha vindo da maneira de os pássaros descansarem numa perna só, eis que o índio, aquele da lenda, se transformou num mutum, quando saudoso da amada que o procurava na rede e que nunca mais tornara, se transformou num mutum. Talvez. 

A lenda de Jaci Taperê, mito astral se contamina com a do pássaro chamado Saci, cujo canto soa como sem-fim. Este um duende que as tribos guaranis do sul chamam de Yasy Yaterê. 

As negras contadeiras de história pegaram esses mitos, pintaram-no de preto, conservaram a perna única, e o gorro vermelho dos duendes do fogo, universais, e estava pronto o Saci. Talvez. 

O objetivo final é difundir o mais possível o conhecimento do mito Saci. Já está em andamento uma proposta de estabelecer o dia nacional do Saci, exatamente a 31 de outubro, dia que se convencionou das bruxas, nos Estados Unidos. Isto para personalizar o confronto. Não falemos das deficiências do nosso magistério em geral, nem do descaso dos nossos governantes. Não temos a disciplina Folclore nos currículos, e muito fazem os pobres professores desassistidos, que esses, sim, não sabem. Alguma coisa se faz na América Latina, a respeito de nacionalização. A Venezuela ultimamente combate a figura de Papai Noel. 

A América Latina despertará afinal?

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