Ruth Guimarães
O Vale do Paraíba às vezes é chamado Vale do Sol e que nome bem posto, valha-nos Deus, nesta época de castigo, sol queimante, ar seco, revérberos cegantes, em ouro e prata, quando parece que até Deus ficou contra nós. Vejam Santa Catarina, sofrendo. E Minas, os rios entrando pelas casas a dentro, e à custa de quanta dor refazendo o seu rumo.
Quão longe estamos das paisagens bucólicas dos primeiros tempos, com os cafezais subindo os morros e canaviais de folhas cortantes como navalhas, prenunciando mudanças boas e más. E quão longe continuamos das mudanças, com motivo ou sem ele, acertadas ou não, preparadas por gente capacitada, ou importadas por um poder ignorante ou mal intencionado. Entre os bovídeos surgem raças modificadas, Gir, Nelore, pé duro. Entre os humanos a modificação deu coronéis analfabetos, comandando currais eleitorais, operários de cidade grande, trabalhando nas construções. E a vida tendo ao fundo, como base, a boiada, instrumento de progresso, de rico e de pobre...
Eh! boi! Eh! boi!
A influência da vaca passava dos pastos para a avaliação social. Fulano de tantas vacas. Tantas cabeças. Passava para as reinações do subconsciente. O boi ocupou todos os espaços do folk da região misteriosa de que é feito o imponderável, o mítico, o sombrio, o noturno, o incompreensível, do que não é nem rabo, nem chifre, como queria o velho Machado. Vaca virou até assombração. Foi aos folguedos e tivemos o bumba-meu-boi e boi-bumbá, de tantas regiões. Toda gente cantou o meu boi morreu, e morreu com direito não só a cerimônias públicas, como a cantiga que perdurou como expressão de tristeza e do amor de um povo. A morte do boi foi assunto e tema de muitas das nossas festanças rurais. Atrevo-me a dizer que o sucesso de O Menino da Porteira se deve mais ao boi sem coração do que ao Menino. E àquela dolência, àquele som fundo de berrante, que caracteriza o nosso populário musical, e mais as sagas rurais, as tragédias registradas pelos Jecas-Tatu, ou será jecas-tatus? O shakespeare caipira põe no bolso o clássico europeu, já se vê, e fala muito mais à nossa sensibilidade. Nos carnavais das desprovidas cidades pequenas já aparece o boi, feito de arame, taquara, saco de estopa e má pintura. E mais uma caveira de boi arranjada no matadouro local. E que dizer da farra do boi, que serve de escoadouro aos nossos maus instintos, e das touradas, de tanto sucesso?
Há uns tempos atrás, muitos fazendeiros cansados de sua submissão ao boi, isto é, à vaca, resolveram passar a sua lida ao peixe, e nisso obedeciam a nunca suficientemente pendor da alma humana. Eu explico.
Fugir da mulher, esposa, companheira, ao bom ou mau relacionamento com mulher, sempre foi o misterioso pendor do macho investido dos deveres de chefe de família. E para isso conhecem-se três variantes principais de fuga, de acordo com as variadas condições econômicas do homem. A saber: carro (se for zero, quilômetro melhor), buteco, onde se encontram os amigos, e pescaria. Esta última ao alcance de todos. Foi escorado nessas premissas que parte da fazendeirada do nosso Vale resolveu investir no peixe? Sei não. Sei que houve um fogacho, foi moda algum tempo pescar e lá vieram as vacas novamente. Fazendeiro aprendeu que não é fácil tirar leite de peixe.
No mais, ficou tudo como estava. O que antigamente se chamou Vale do Paraíba, e até como Vale do Boi. Somente que alguma coisa está ameaçando o nosso querido Vale. Dizem os pesquisadores que o bafo conjunto dos milhões de narizes do gado que não pára de respirar está influindo no aquecimento do planeta. Mas não tinham mais o que inventar?
Eh! Boi!
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