terça-feira, 30 de abril de 2013

Poema da Falsa Primavera

Ruth Guimarães 

Minha paineira não lê os jornais e por isso floriu. Magnificamente alheia, a não ser à luz e ao zéfiro, aos vendavais e ao frio, ao sereno da noite e a madrugada, ela floriu. 

Não lê os jornais. Floriu. 

Não de uma vez e inesperadamente, como julgamos e como sentimos, ao vê-la de repente em rosa e branco. Mas não foi de uma vez, que o tempo, esse mesmo que não existe, conta muito. Devagar, como todas as coisas boas, ela floriu, Lara dançarina, desnastrara ao vento, quanto vez, a verde coma, e por ela repassara e repassara, frio e fino, o pente de prata da chuva. Já esteve de anadema, feito de seda clara de luar. Já se envolveu de neblina, em noites de junho, quando os dedos do inverno tinham frialdades arrepiantes de mortalha. Já esteve toda encharcada de chuva, quando cada gota pingava como lágrima das ramadas de esmeralda. Mas agora floriu. É comovente vê-la, tão suave! Oh! Beleza indestrutível das coisas frágeis. Oh! Beleza eterna das flores, diante da mágoa e a bruteza transitórias dos homens! Ela floriu. 

Pelos caminhos (de onde vêm? para onde vão?) passaram arregimentados uns homens que iam para e não sei onde, combater não sei o que. Sei que a paineira floriu em rosas e branco e fez grandes gestos fantástico, diante de vento, (Excelência) Excelência, Excelência, como dança! Que minueto! Vamos, dancemos! Vamos, a vida é tão breve, tão boa e o perfume inibria, dancemos! Que mundo estranho! Que mundo estranho! Que estranho mundo! Por que devo amar o vento? Por que devo amar a chuva? Por que devo amar a nuvem? E as pétalas de seda rodopiam. Ela floriu. 

Ansiedade é uma palavra assombrosa. Medo também é. 

Ansiedade e medo transfiguram a vida, enchendo de sombra e que devia ser amplo e claro. Não é primavera, mas é o tempo e a paineira floriu. Ela não conhece palavras, nem o seu terrível significado. Floriu. 

Quem a vê, rosa e branco? Quem a ama, rosa e branco? Quem, diante dela se extasia, rosa e branco? O mundo tenta iniciar a dança louca, à música dos tambores e ao compasso do medo e da ansiedade. Rosa e branco ela floriu. 

Os homens oram falam em república, ora em democracia, ora vestem camisa parda, ora verde, ora vermelho, querem outras leis e outras reformas, e outros privilégios e outros senhores. Querem o calor no inverno e a fresca brisa no verão. Querem a mulher que nega, e desdenham da que se entrega. Querem o vinho e o jogo e o prazer e o paraíso. Querem a flor e querem seu fruto. Querem o pássaro morto e a asa de pássaro no firmamento. Dizem a palavra que dói, fazem o gesto que mata. A paineira floriu. 

A mesma história se repete todos os anos, por todos os séculos, por ommia saecula, rosa-e-branco, é o tempo, ela floriu.

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