segunda-feira, 22 de abril de 2013

Trezentos anos sem Zumbi

Ruth Guimarães 
(Jornal da Maioridade, 1997) 

A Negritude Francesa censurou, há tempos, o movimento brasileiro em prol da gente de cor. E diz ela que nós não nos empenhamos em fazer valer os direitos do povo oriundo da África, mas estamos misturando e caldeando gente, de tal maneira que o negro acaba desaparecendo, na miscigenação, eis que o branco é um raçador melhor. 

Na Europa, já se alude o branqueamento do Brasil. Um sociólogo de larga visão, como Gilberto Freire, vaticinou há bem uns cinqüenta anos que não tardaremos a ser um país mestiço, evoluído da pátria negra que somos hoje. Então é isso. A nossos próprios olhos, numa atitude que se pode chamar de desmazelada, achamo-nos complacentes, democráticos, deixando que as coisas aconteçam à lei da natureza, ou, como queria um dos nossos presidentes, “deixamos como está para ver como fica”. 

Devido a essa - digamos - benevolência, com que tratamos estrangeiros e naturais, brancos, negros e amarelos (em suas diversas nuanças e manifestações) - japoneses, chineses, vietnamitas, coreanos e outros, devido a essa aceitação total, que nos parece boa, dizem que estamos acabando com o negro. Com efeito, de negros e brancos provêm os mulatos, dos mulatos e brancos os quadrarões, os oitavões e outros que acabam passando a linha divisória e se apresentam decididamente como representantes de uma só raça. Será um negro o resultado. Não Evidentemente um brancarano. 

Nesta terra, onde ninguém se importa com origens nem com genealogias, a não ser uns poucos historiadores, como descobrir nos brancaranos (em que nos tornaríamos) os ascendentes que vieram nos tumbeiros? 

Isto será um bem ou um mal? Não é a solução que buscamos, mas é a que acontece. Em meio de sofrimentos, é verdade. Sofrimentos que não são exclusivos do Brasil, nem sequer das Américas, sujeitas a condições novas de mão-de-obra e outras, nem da civilização ocidental, eis que a escravidão foi de sempre (onde haja um que domine e muitos que aceitem a canga, por medo, comodidade, indiferença). Que o digam os judeus da Alemanha dos anos 40; os árabes da França de hoje; os indígenas das nossas selvas; que o digam as mulheres. E os velhos? E os deficientes? E os pobres? E os ignorantes? E os famintos? 

Como se vê, no fundo a questão é direitos humanos. 

Foi somente nos anos oitenta que a negritude brasileira iniciou uma luta para valer, contra a discriminação, que veio de longe, colorindo toda a sociedade, e continua, insidiosa, velada, mas com muita vitalidade, até o momento. 

No Brasil, recém despertamos para questão dos direitos de cidadania dos grupos étnicos. Somente há algum tempo alguns cogitaram de considerar crimes os atos de discriminação racial, as atitudes anti-sociais de ataque, as ofensas verbais, a proibição de entrada em clubes, restaurantes, hotéis, o racismo nas escolas, etc. 

Por falar em escolas, o silêncio é um ritual pedagógico, a favor da discriminação. As crianças não-brancas não têm maneira de criar para si mesmas um Ideal de Ego Negro, pois a História do Brasil se cala e passa em branco a saga da rebeldia dos grupos etno-sociais, negando-lhes importância na formação da sociedade brasileira. 

Para medir o grau de informação sobre a história do negro no Brasil, uma Comissão de Educação realizou, há algum tempo, uma pesquisa em doze cidades do interior de São Paulo. Foram ouvidos quarenta professores, em três escolas de 1º grau, na Zona Leste da Capital, com um total de 170 alunos. Questionados sobre a história de Zumbi dos Palmares, grande parte dos professores a conhecia; entretanto, não por intermédio de livros, mas sim através do filme “Quilombo”. Quanto aos alunos, 70% deles jamais ouviram falar do assunto, quer em casa, quer na escola. 

Perguntados quais os negros de destaque, que conheciam, dentro da Literatura, das Artes, da Política, citaram o abolicionista José do Patrocínio, o cantor Milton Nascimento, Grande Otelo, Martin Luther King, entre outros.
Mas o mais citado de todos foi Pelé.

Todavia, dirão, há uma vertente branca, paralela, um que nos deu Camões, Dante, Shakespeare, e Joyce e Proust, e Fernando Pessoa. Não entremos nos processos de misticismo. 

O que podemos afirmar é que, da soma e do entrosamento de duas vertentes, a branca e a negra, vertentes totais, que incluem cultura e etnias formamos nossa personalidade, ou seja, a nossa identidade nacional. Então, por que preconceitos? A sabedoria popular esta aí, nos contando que Branco não quer ser Preto. Mulato também não quer. Porque nos faltam esclarecimentos, temos preconceitos. Porque estudamos “a História Mestre da Vida”, com que os governos conseguiram a nossa conivência para os seus desmandos, temos preconceitos. E porque sofreu na carne, no sangue, na mente, o impacto maciço da Escravatura, da História e das histórias, o Negro, vitima e cúmplice, tem medo e tem vergonha de ser negro.

Botelho Netto
Foto de Botelho Netto

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