Ruth Guimarães
As secas do Nordeste são cíclicas, isto é, eram cíclicas, antes da loucura que deu no clima. Em todo o caso, os períodos eram e são variáveis. Em cada década vinha a seca, de dois a três anos de duração. A maior ocorreu no século passado, de 1877 a 1879. Devastou a região, com seu cortejo de desgraças. A fome, a sede, o tifo, a peste bubônica, a disenteria, mataram, entre janeiro e dezembro de 1878, cinqüenta mil pessoas, quase a metade da população de Fortaleza, que, na época, era de 124.000 habitantes. No século XX a espantosa seca de 1900/1915 inspirou a romancista Rachel de Queiroz, que nos deu O QUINZE, retratando aquele quadro de horrores.
Para remediar a situação do Nordeste, nada foi feito. O povo ficou nos mesmos patamares de miserabilidade, e de absoluto abandono. Já se disse que a açudagem seria a solução. O Nordeste hoje é um paliteiro de açudes, grandes e pequenos, e os problemas do latifúndio devorante e no minifúndio desassistido continuam entravando o progresso da região. Sem contar com o zerofúndio dos sem-terra, com seu cortejo de martírios.
Apesar de se poder prever com antecedência a chegada e quiçá a duração das secas, apesar de todas as conquistas tecnológicas do século, e apesar da grande safra de deputados do Nordeste, que poderiam suscitar uma vontade política, ainda não se encontrou a solução para as graves conseqüências das irregularidades pluviométricas da terra castigada.
A esperança do homem continua sendo a fé, as rezas, as procissões pelo agreste e os ritos populares de chamar chuva.
Num certo dia de São José, a 19 de março, último dia para a esperança, em temporada de seca, inesperadamente veio a chuva.
Não seria bem a chuva, mas chuvisco, mais para garoa, entretanto o suficiente para delírio do povo, que se concentrou na praça, pulando e cantando, para comemorar. Podem imaginar a alegria. Em plena praça do Ferreira, a mais bonita de Fortaleza, havia gente que se ajoelhava e rezava e chorava, tudo a um tempo, enquanto a chuvinha caía, leve e fina, entrelaçando no ar a sua teia de prata. Durante vários dias, a chuvinha orvalhou plantas e flores e gente e casario, muito serena, muito mansa.
Então o sol surgiu radioso entre nuvens, afugentando as nuvens para longe, tornando a terra tão clara! E a cidade tão quente! E tudo tão seco! Oh! Deus! É a seca novamente!...
Todos, homens, mulheres, crianças, a uma voz, como se fossem ensaiados, fizeram um grande clamor.
Foto de Botelho Netto |
E o Astro-Rei levou a maior vaia de toda humanidade, desde que existe no Universo, como Sol.
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