Ruth Guimarães
Uma crônica de Limeira Tejo, me remeteu a alguns apontamentos sobre as sortes, coligidos há anos.
Todas elas têm o seu tanto de romântico, acenam com uma esperança, e vêm de um remoto anseio, jacente nas almas de inquirir o futuro e ouvir uma resposta. Esta não passa quase sempre de um eco de pergunta. Mas que sabemos nós de quanto existe entre o céu e a terra?
Esta é de São Paulo, Capital, colhida de família residente na rua Intendência, composta de operários, grau de instrução: primário.
As moças solteiras da família costumam tirar sorte na sexta-feira-da-paixão, para saberem com quem irão se casar. Empregam um copo com água, numa aliança usada e uma vela virgem. Antes da meia-noite colocam dentro do copo. Cada uma toma da vela e espreita. O fascinante mistério as aguarda. Lá no fundo, cada moça vê o rosto do moco com quem vai se casar, emoldurado pela aliança.
Tão conhecida é a sorte do ovo, que estava quase a me dispensar de descrevê-la. É assim:
Põe-se a clara de um ovo dentro de um copo com água, que é deixado no sereno. No dia seguinte, cedinho, vai-se olhar o copo e ali se verá, desenhado pela clara na água limpa, o contorno do nosso destino. Moça que vir uma igreja ou um longo véu de noiva, casará logo. E os que virem um caixão de defuntos, ai! Esses não tornarão a fazer outras sortes, em outras noites frias de junho. Esta sorte é para a véspera de São João. Conheci-a em Minas, no sul há uns bons quarenta anos. E depois por todo o Estado de São Paulo, nas cidades e fazendas.
No Vale do Paraíba, usa-se sair bem cedinho, no dia de São João, antes do sol nascer e espiar o retrato no rio. Quem não vir o seu reflexo na água corrente, não passará daquele ano.
***
Duas comadres viviam discutindo o que haveria depois da morte. Combinaram que aquela que morresse primeiro viria contar o que tinha visto. E então, quando uma delas morreu apareceu certa noite à outra e contou, em voz desconsolada:
- Comadre! Lá no outro mundo, a gente pia, fino, fino, fino, fino...
Falou e desapareceu e a comadre, naturalmente, ficou na mesma.
(Um preto velho no ônibus, 1947).
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Um homem gostava muito de comer orelha de pau, cogumelo que dá grudado nos paus. Ia sempre ao mato buscar. Um dia, viu um pau deitado, cheinho deles. Quando já ia tirar um punhado, o pau falou:
- Tire do lado de cá, que tem mais.
Era um corpo seco. O homem se benzeu e saiu correndo.
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No Areião, em Queluz, um homem que ia para a cidade viu um pau roliço, bom para queimar, apanhou-o e o pôs nas costas. Quando já ia entrando em Queluz, o pau falou lá atrás das costas dele:
- Não me leve para a cidade que prá lá eu não quero ir.
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