segunda-feira, 22 de abril de 2013

Segunda sem-feira

Ruth Guimarães

Há muito tempo que estão falando em acabar com as feiras, uns desejando e outros temendo que acabem mesmo. Não sei que providências foram ou não foram tomadas – elas estão aí. Inicia-se agora uma espécie de hiato, a extinção desse comércio livre às segundas-feiras, para descanso da companhia, isto é, dos feirantes, que não estão pleiteando descanso nenhum. Um até respondeu a uma pergunta que não lhe foi feita, dizendo que o descanso pode ser espontâneo, e ele não vê motivo para que seja compulsório. Os jornais falam da necessidade do intervalo de um dia, falam de leis trabalhistas, e também se noticia que se está fazendo um remanejamento. Aliás, a tal história do descanso das segundas-feiras, como nos teatros, é medida de caráter experimental, já vi muito disso, e alguns que duraram anos e anos a fio. Os argumentos contra as feiras são principalmente três: primeiro que os preços são os mesmos das quitandas, segundo que atravancam as ruas, e depois a desordem que deixam. 

Oh! que sujeira, que coisa desagradável, que cheiro de peixe! e quanto lixo, folhas e cascas, depois do meio-dia! Mas querer acabar com as feiras por causa da sujeira, resultante, ora essa! Então não temos prefeitança, nem caminhões de limpeza, nem água, nem lixeiros? 

O primeiro argumento a favor das feiras é que se trata de um método democrático de negociar. O povo vendendo para o povo. Comprar na feira é praticar o analfabetismo mais gostoso e mais brasileiro que possa haver. Errar nas contas, no troco, pechinchar, reclamar, divertir-se. As notas fiscais me tiraram muitas ilusões. Eu estava certa de que os feirantes não sabiam nem ler. 

E a delícia completa de poder escolher? O mais caro, o mais barato, o mais verde, o mais doce, o mais fino, o mais viçoso, o mais engraçado, o mais claro, o mais miúdo, a pilha mais alta, o arranjo mais perfeito. E que lindos pregões, sonoros, límpidos, seguros, em vozes fortes de tenor e de barítono, que lindos pregões! Tudo isso em meio de uma ruidosa alegria matinal, livre, lírica, todos falando alto, à vontade, sem inibição nenhuma, o sol nos cabelos e os olhos repousando na abençoada fartura das pilhas coloridas de frutas, e a desaforada, descomedida abundância de verduras frescas, tão verdinhas! Lugar de ver mulher risonha, de rosto lavado, com os cabelos apanhados de qualquer jeito, nesse gracioso despenteado de que os cabeleireiros todos têm o segredo hoje em dia. Há muita pobre coitada cujo único passeio é ir à feira (às vezes também dão um pulinho até a maternidade). 
Botelho Netto
Foto de Botelho Netto

Botelho Netto
Foto de Botelho Netto
Pois é. Estão falando em acabar com as feiras livres. Mas me parece que nós as donas-de-casa ainda não fomos consultadas a respeito e ninguém ignora que somos os Ministros das Finanças.

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