segunda-feira, 22 de abril de 2013

Suburbana nº 4

Ruth Guimarães 

A reunião do Corintinha (S.C. Corintinha) é as quartas-feiras, nos fundos do bar do “seu” Manuel, presidente-sócio-fundador. “Seu” Manuel ocupa solenemente a cabeceira da mesa e a discussão começa. Peço a palavra! Diz um sócio, de cara fechada. E desenrola a longa queixa: - domingo vieram dois enxertos de Poá. E, para essa gente que vem de fora, é dinheiro, é lanche, e pra nós, - que damos o sangue aí no campo, em todos os jogos, até uma pinga, que a gente compra fiado, daí a pouco (uma olhadela inamistosa para o lado do presidente) estão cobrando. “Seu” Manuel se remexe inquieto: Mas vocês compreendem... se não se agradar a essa gente... oh! raios, precisam compreender. Alguns abanam a cabeça e um deles resmunga: Eu vou falar... – Depois você fala! – E passam para o sempre atual problema do uniforme. Jamais sobra dinheiro para comprar os sonhados calções pretos e, que diabo! o clube se chama corintinha. Ruidosamente dissolve-se a reunião, terminada com algumas pingas a dinheiro e outras fiado, apesar do vistoso letreiro: “FIADO – CINCO LETRAS QUE CHORAM!” afixado na parede do fundo. 

Não se sabe por que cargas dagua o Corintinha arrumou jogo com o Susano, um dos leões da várzea. A turma ficou preocupada. Mas, agora? Como? Como vai ser? Que é que podemos fazer? Houve uma reunião tumultuosa, com muito soco na mesa, muito berro, muito peço a palavra e depois você fala, até que quem resolveu a momentosa questão foi a senhora do “Seu” Manuel. Deixem comigo, dizia ela, bondosa e calmamente. Pego os calções de vocês e tinjo.
 
Botelho Netto
Praça do Relógio. Suzano-SP.
foto de Botelho Netto
Não sei o que houve. Alguma coisa não deu certo, e quase na hora do jogo os calções ainda não estavam enxutos. Essas danadas chuvas. E aí nem pretos nem brancos, nem de cor nenhuma. Os craques, no vestiário, suavam frio. Quinze minutos antes do jogo, apareceu um moleque, de bicicleta, com três calções. Daí a pouco, trouxe mais quatro, passados, brilhantes, pretíssimos. Às 3h25 entrou em campo o quadro do Susano F.C., pessoal musculoso, treinado, forte. Muneo. Seitaro. Álvaro Japonês. O pessoal do Corintinha espiava de longe, timidamente, aquele aparato. Mas a técnica, o apuro, o apronto, nada disso lhes fazia mossa. Tinham outras coisas com que se ocupar: ainda faltavam dois calções. Eis que chega mais um. – Entramos em campo com dez homens, resolveram os craques, entusiasticamente. Viva o Corintinha! Ficou no vestiário o desolado ponta-esquerda, espiando ansioso na porta, de instante a instante. Quinze minutos depois do início entrou ele, formando junto aos seus, garbosamente: de calção preto. Eu gostaria de contar que os heróis da tarde foram os alvinegros, tão provados e tão valentes. Não foram. Apanharam de 12x0. 

Reunião de quarta-feira, na sede do Corintinha: Mal se abriu a sessão um se manifestou: Peço a palavra. A goleada de domingo... “Seu” Manuel sorriu: Deixa isto pra lá, homem. E, para as onze fisionomias radiantes que o cercavam: Foi, como se diz, uma performance magnífica. Todos os jogadores deste quadro, todos, entraram em campo de calção preto.

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