domingo, 28 de abril de 2013

São Pedro e o culto do fogo

Ruth Guimarães 

De acordo com a lenda e, em parte, de acordo com os Evangelhos, São Pedro era ignorantão e cabeça dura. Com relação ao folclore, é pior. Correm histórias do bom chaveiro em que ele desempenha mesquinhos papéis. Mas lá está a lição de vida. Por sua fé, dessas que removem montanhas, por sua boa fé, sua ingênua confiança e por seu amor por Aquele triste Deus, arremessado do céu à derrisão e ao calvário, mereceu o galardão e as alturas a que chegou. No entanto o povo se atreve a tomar com ele certas confianças. 

Diz-se que a mãe de São Pedro era avarenta, e mais: tão má que quando morreu, apesar do parentesco real com um dos grandes santos do céu, desses que são assim como Jesus, não pôde participar da bem-aventurança eterna. Lá foi a triste ferver no caldeirão das almas perdidas. Caiu no inferno, acabou. O lugar é de definitiva perda. Até os poetas, que são de quimeras, sabem disso. 

“Lasciate ogni speranza voi ch’entrate”, ou qualquer aviso nesse sentido. 

E então pôs-se o filho a pedir a Deus que lhe salvasse a mãe: Eu no céu e minha mãe no inferno. Tem dó, meu São Bom Jesus! 

Sabemos que ele era turrão. E tanto importunou o Mestre e Seu Pai, que o Divino Arcano sentenciou: 

- Arre, que você não me dá sossego. Procure um gesto bom, solícito, solidário, um só, e nós vamos dar um jeitinho. (Devia ser um céu brasileiro) 

E toca o pessoal celeste a procurar. E tanto devassaram que acharam. Estava a mãe do chefe dos serviços gerais do céu lavando roupa num riacho, quando alguém deixou cair uma folha de cebola no carreiro das formigas. Ela arredou a folha para as formigas passarem. Hosana ao que vem em nome do Senhor! O céu em peso trouxe a folhinha em charola, cantando as aves-marias, inclusive a de Gounot, a Salve Rainha, o Salmo 23, as músicas de Gospel. São Miguel que era da área apareceu para confirmar. A folhinha pesou tanto e enrijeceu de tal forma, que por ela dava para subir ao céu a pecadora. E foi subindo por ela a mãe de São Pedro. Pelo caminho almas esperançosas, mas pobres, que não tinham filho chefe de seção do pessoal, iam pegando carona. A mãe viu aquilo e tremeu. Não fosse a folhinha arrebentar... E pôs-se a chutar as almas que chegavam mais perto. O filho é meu, a folha é condução minha!... 

Ao peso de tais palavras (egoísmo? temor? maldade?) a folha arrebentou, as almas mergulharam novamente no inferno e com elas a mãe de São Pedro. 

Apesar de toda essa irreverência com o santo chaveiro, ele é o mais simpático dos santos juninos e julhinos, pois participa do culto do fogo. 

Em Suzano, às vésperas do dia de São Pedro, a 28 de junho, há uma prática curiosa. Em toda a extensão das ruas, principalmente na periferia, acendem-se pequenas fogueiras diante das casas. O vento passa, agitando as labaredas. Lindo de se ver! É o recado do resplendor, da luz, do fogo. É principalmente o recado do fogo, que é fé e escolha. O povo escolhe o mais rude dos discípulos, o mais ignaro, o mais turrão, mas que é principalmente amor.

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