Ruth Guimarães
Macunaíma é um tipo que está em todos os folclores, mudando o nome, é claro. Ele é João Soldado, é Pedro Malasartes, é Pedro Urdemales, é Ulisses, o Astuto, é Bertoldinho, é Cacasseno, é o velhaco, o safado, o herói sem nenhum caráter. Nós o vamos encontrar no folclore napolitano. Havia em Nápoles, um pescador, um tal Cicilo, que todas as manhãs saía do porto com seu barquinho e ia pescar em alto mar. Certa tarde, durante a pescaria, reparou que o tempo ia mudando, pois começava a soprar aquele vento precursor de tempestade, por isso, resolveu recolher as redes e voltar para casa. As tempestades no mar, porém, às vezes, surgem repentinamente e Cicilo, no breve prazo de um quarto de hora encontrou-se no meio de vagalhões tão agitados e tão desordenados, que o pobre diabo dizia entre si: “Hoje é mesmo o dia em que vou morrer!” Lembrando-se então de São Genaro, o grande protetor dos napolitanos, como temos Nossa Senhora Aparecida, para cuidar dos paulistas, - ajoelhou-se e lhe pediu que o salvasse:
- San Genaro! Tem dó de mim! San Genaro mio bello! San Genaro, salva-me! Não me deixes morrer! Tu bem sabes que tenho quatro guangliune e a mulher paralítica. Faltando eu, onde iriam buscar dinheiro para a macarronada de todos os dias? San Genaro, tu me salvas e, no dia de tua festa, levar-te-ei um feixe de velas! San Genaro, mio bello! San Genaro, salva-me, se queres as velas!
O santo, condoído da sua trágica situação, pediu a Deus que lhe permitisse salvar o infeliz, no que Deus concordou. Imediatamente, a tempestade abrandou, os vagalhões, aos poucos, tornaram-se mais mansos, e, por fim, os elementos acalmaram-se completamente, permitindo ao pescador voltar à sua bela Nápoles.
Nos domingos seguintes, quando ia à missa, o santo dava-lhe certas olhadelas esquisitas, como que para dizer-lhe: “Lembra-te da promessa!” e, quando, durante a semana, a borrasca não permitiu pescaria alguma e andava prá cá e prá lá na cidade, ao passar na frente da igreja, tirava o chapéu, mas não tinha coragem de olhar para o santo, pois já estava com o seu plano criminoso traçado.
Chegou, por fim, o dia da festa de São Genaro.
Nessa manhã, o velhaco não queria ir à missa, por receio de que o santo lhe lembrasse a promessa: não querendo, porém, perder a função, resolveu assistir ao ofício divino, da sacristia, evitando assim, entrar na igreja. O santo, porém, que estava de olhos abertos, logo que o viu a cruzar a praça da Matriz, e dirigir-se para trás do templo, rumo à sacristia, chamou-o apressadamente:
- Cicilo! Olá, Cicilo! Venha cá Cicilo! E o feixe de velas, Cicilo?
Ele, porém, apesar da gritaria de São Genaro, que se ouvia a légua e meia, tocava adiante, impertérrito, olhando do lado oposto e fingindo não ouvir os chamados. Desta forma, o dia fatídico passou; dia comprido que nunca se acabava, foi aquele para Cicilo. Daí em diante, o descarado mentiroso julgou-se quite de qualquer ônus para com o santo.
Quando o povo de Nápoles ficou ciente dessa tramóia, inventou o tal provérbio popular: “Passata a festa gabbado lu santo”. (Passada a festa, enganado o santo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário