terça-feira, 30 de abril de 2013

Santa Clara, clareai!

Ruth Guimarães 

E disse Deus: vamos acabar com essa carpintaria, que já está demorando muito, e começar com o expurgo desse mundo que só me dá trabalho e desgosto. Vamos! temos que melhorar esta joça! 

E mal o carapina Noé terminou a construção da embarcação formidanda, chamada Arca de Noé, deu as instruções definitivas: 

- Junte aí dentro sete pares de cada animal bom, macho e fêmea, e dois pares de todos animais imundos, macho e fêmea. 

E então choveu quarenta dias e quarenta noites, sem parar. 

Daí para cá, apareceram leis e datas para reger os homens e os climas. Neste uberdoso Vale do Paraíba, vale do café e do algodão, houve muitas enchentes. O tempo da chuva, não muito antigamente, se esticava de dezembro, até 19 de março, dia de São José, e até 25 de março chovia pra valer, o Paraíba jogava uma aguaceira para fora, enchendo a vargem, na chamada enchente da goiaba. 

Há muitos anos, meus irmãos e eu, miuçalha de idade entre 9 e 14 anos, porfiávamos na pescaria de traíra de barriga amarela. Todos nós embarcados, pois não? no bacião de lavar roupa da minha avó. E o vozeirão do nosso avô, trovejando: Joguem essa porcaria fora! Isso não é peixe, é sapo! Mas nós confiávamos na nossa ciência, no que, aliás, seguíamos o povo ribeirinho. 

Não se diz de peixe, mas de chuva entendiam até as alimárias. 

Consta que Rui Barbosa, o genial baiano, certa feita andava pelo sertão, ocupado nas pesquisas, importantes lá dele. Tendo pernoitado em casa de um caipira, levantou cedo e arrumou em lombos de burro os tarecos, aparelhos de medir o tempo e outros. 

- O senhor, a mó’ que vai viajar? – perguntou o dono da casa, à maneira cortês da roça. 
- Vou sim, tenho muito que fazer. 
- Vai chover... – obtemperou o caipira. 
- Não vai, não – respondeu o grande Rui. – Já fiz algumas observações – De acordo com os meus aparelhos, o tempo estará firme. 
- Sua alma, sua palma. – Disse o ignaro, desistindo de questionar. 

Duas horas depois, voltou o pesquisador, molhado dos pés à cabeça, e foi logo perguntando: 

- Como é que você sabia que ia chover e eu, com tanto aparelho, não soube? 
- Não sou eu não, sô doutor. Tá vendo aquele burro velho, ali? Quando ele vai pra debaixo do telheiro, é chuva na certa. 

Hoje os aparelhos são mais confiáveis. Dá até para se fazer pedofilia com a ajuda deles, mas não é disto que se trata. As providências mais necessárias são no sentido de fazer parar a chuva, quando vem muito longa ou muito forte. 

Lendo sobre as calamitosas chuvas de agora, previstas ou não, lembramo-nos de outras tragédias do litoral e que agora nos agridem novamente, sem que a mínima providência tenha sido tomada desde então. 

O litoral Norte do estado de São Paulo é servido pela rodovia dos Tamoios, estrada estadual SP 59, via Caraguatatuba e São José dos Campos, para o Planalto. E pela Rodovia Oswaldo Cruz, também estadual, via Ubatuba e Taubaté. Ambos os projetos, na avaliação dos entendidos, são ruins, frágeis, desprovidos de drenagens, com muitas curvas e rampas, que freqüentemente ocasionam o tombamento de carros pesados. Não têm viadutos, não são baseadas sobre aterros. Estradas para carros de boi. Pois na tragédia que todos lamentam até hoje, o céu despejou água. Em frente o mar encapelado. A cidade sem luz. A rodovia dos Tamoios totalmente interceptada por uma tonelada de pedras, despencadas da serra do Mar. Depois que amainou o chuvarão, sobreveio o silêncio. Então um débil sinal ciciou um SOS, num rádio-amador. Guiados por esse fio de luz nas trevas aviões despejaram pacotes de roupas e alimentos, desceu gente de pára-quedas, para socorrer doentes e desabrigados e semi-afogados. 

O litoral ficara isolado por mar e terra e céu, sem comunicação, sem acesso, sem luz, sem esperança. Apenas por inépcia dos poderes, e descaso, ficaram todos sozinhos em presença do medo e da morte. 

Perguntem, agora, hoje, com os aparelhos que deixam longe o aparelhamento do grande Rui (aquele mesmo que perdeu para o burro do telheiro) o que foi feito de útil, de necessário, de bom, para prevenir essas calamidades. 

Santa Clara morreu de fome, dizem. É bastante jogar farelo de pão para cima, no telhado, para que o tempo melhore, e abra um sol lindo e nada mais de chuva. 

O povo que trate então é de rezar para Santa Bárbara e para Santa Clara, as prestimosas santinhas que nos ajudem a agüentar a chuvarada.

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