sábado, 27 de abril de 2013

Pássaro cativo (história de menino)

Um texto de meu pai. Uma confissão muito interessante, do homem que observa o menino que ele foi. 

Texto de Zizinho, sem data, mas suponho que tenha sido escrito por volta de 1975. 

“Pássaro cativo (história de menino) 

Quando eu era menino... Não! não se preocupem, não vou contar a história ab ovo. E nem é preciso: a fração de um dia, algumas horas bem vividas podem compor, inteirinha, a travessia. 

Bem... antes dos sete anos aprendi a ler com meu pai, a poder de reguadas. É que eu, sabendo ler, mamãe, analfabetinha, ganhava um ledor de novelas, daquelas distribuídas em capítulos, às quintas-feiras. Aprendi a ler, bem, desempenado, não de soquinho como fazem os repórteres de televisão, hoje. Então, no segundo ano do Grupo, setembro de 1928, festa da ave, fui escalado como representante da classe para declamar. No fim, a comemoração não passava (não passsa) de um rosário de declamações em louvor de nossa irmãzinha ave. Nunca fui bom de decoreba e tentei sair dessa mas a professora, D. Eufrásia, quem diz que me livrava a barra? 

No pátio. Sem cobertura, sol de lascar. Todo mundo na fila, imóvel, rígido, cada aluno-poeta desesperando a vez de subir no pelouro. O “Pássaro cativo”, de Olavo Bilac – Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, o próprio nome da fera já se harmoniza num sonoro alexandrino – a minha poesia eu a ouvi seis vezes antes da minha... execução. E cada vez que um menino desfiava o “Pássaro cativo” – várias estrofes, mais de cinquenta versos, acho até que uns quinhentos, ficava mais infeliz, mais vazio, mais desamparado. Terminei o poema? qual o quê! Fui um fiasco: fiiiiiiiiii, fiiiiii! Fiasco, a coisa mais humilhante e que as outras crianças, com a crueldade da criança, não perdoam. 

Me fiz homem agarrado aos livros e aos poemas. E hoje, o que estou fazendo aqui? Me libertando do Pássaro Cativo, de Bilac, de dona Eufrásia, da vaia dos meninos. Por isso vim, não infeliz, nem desamparado, mas por meu gosto e de alma leve colocar-me ante vocês para contar esta historinha sem fundo moralístico, sem nenhuma profundidade psicológica, sem nenhum mérito.”


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