sábado, 27 de abril de 2013

Caminhão leiteiro

Ruth Guimarães 

Função de caminhão de leite é transportar o leite, evidente. Mas, ao lado do transporte da produção, se desenvolveu uma função auxiliar, da maior importância, pois o caminhão leiteiro é meio de comunicação entre o centro do município, isto é, a cidade, e os numerosos bairros, que não têm linha de ônibus. Esses leiteiros não têm bancos. Assento é lata de leite, cheia ou vazia. Estradinhas vicinais são eivadas de buracos e boçorocas, e o caminhão joga mais do que navio no canal da Mancha, em dia de tempestade. Os viajantes levam sacos de compra, gaiola, cachorro, criança, ferramentas, caixotes de frutas, mudas, vara de pescar, espingarda, cimento, bicicleta, o diabo a quatro. Quando as latas estão cheias, a todo o momento alguém inventa de tomar um pouco de leite. Um golinho só, aqui pro menino não aguar. A caneca é enfiada dentro da lata de leite, a limpeza da vasilha é duvidosa. Leite não azeda? Capaz! Foi tirado agora mesmo. Para medir a altura do leite na lata, usa-se uma régua longa, de madeira. Está jogada ali no fundo do caminhão. É chutada pra lá e pra cá, usada para medir o leite (enfia-se a régua dentro da lata, o que der é marcado para creditar ao fazendeiro), joga-se a régua no chão, é pisada e chutada e novamente colocada nas latas, para medir o leite. Leite C? Leite B? onde não se toca na vaca, nem para a ordenha? Não há fiscalização, nem do Departamento de Trânsito, nem da Saúde Pública. Se o leite azedar, o fazendeiro não recebe pagamento por ele. É o bastante. 

Horário de expresso de leite é: 6 da manhã, e 2 da tarde pra lá. 11 da manhã e 4 da tarde pra cá. Motorista? é algum desavisado motorista de caminhão antigo, que acaba de escrachar o possante na buraqueira dos caminhos. Não há recusa. No caminhão toda a gente embarca. Se é muita gente, amontoam-se uns em cima dos outros. Cair, ninguém cai, o próprio aperto segura. 

Passagem é de graça. Não se pergunta nada, não se pede nada, é só ir embarcando. Sineta desses ônibus é bater no teto do caminhão. Pera, aí, sô João, fais favor. É aí mesmo. Algum dono da linha leiteira se cobra das passagens gratuitas, fazendo a moçada bater lata (recolher as latas cheias, do caminho, e deixar as vazias). Não é mole, não. Há caminhões que fazem 80km, serra acima, por este mundão de meu Deus. 

(em tempo: as cooperativas de laticínio não autorizam esse carreto de gente, no meio de carreto do leite).

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