Ruth Guimarães
História antiga:
“Era uma vez uns homens que esquartejaram um homem. E espalharam-lhe os pedaços pelas estradas batidas de sol. E espetaram-lhe a cabeça na ponta de um pau, em praça pública, para que servisse de exemplo e a todos ensinasse a respeitar o rei. E salgaram-lhe as terras, para que nelas não brotasse mais nada. E sua família ficou infamada até a quarta geração.”
Os chacais, devoradores de cadáveres, respeitam os restos de outros chacais.
Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, para servi-lO e adorá-lO. O homem vem falhando à sua missão bíblica e parece que é bem o contrário: foi ele quem supôs Deus à sua imagem e semelhança.
Por isso, aqueles que não crêem mais em Deus, começam por duvidar de si mesmos.
... e então, Deus pegou um feixe de luz e botou no céu, depois da grande chuva. Era um sinal do bom humor divino. O arco da aliança. Em resposta ao penhor da boa vontade, o homem espalhou pelos ares pássaros metálicos conduzindo a morte.
Hoje o arco-íris continua a aparecer, prenunciando e confirmando a bonança. Os aviões, em céus de todo o mundo (e em céus do Líbano), continuam a voar, prenunciando e confirmando a destruição.
Pelo visto, Deus não está em tão boa paz com os homens...
Um vaso de avencas, num canto úmido, sugere verdes maciezas de veludo. É tudo calmo. É tudo frio. É tudo quieto. Se transportarem o vaso para o sol é certo que as avencas emurchecem.
Certas almas, que viçam apenas na sombra e no silêncio, têm a sombria beleza das faces norueguesas.
O canário preso canta mais. Quem sabe lá porquê? Quem sabe lá porquê há tantas almas prisioneiras do amor desabrochando em poemas?
Esse canário engaiolado sugere reflexões. Se está preso, por que canta? E por que está preso? São os pardais que fazem danos na seara alheia.
Veio a desgraça e o homem chora. Então ele é bem igual a todas as coisas da criação. A fera carniceira machucada também geme. Como geme a pomba quando lhe desmancham o ninho. Como geme o vento em noites de vendaval.
Assim chora o homem duro de coração.
Quando a desgraça vem...
Assassina-se um homem e todos se agitam. Estão assassinando exércitos e isso é apenas notícia. Ninguém faz nada. Isso não tem muita importância. Um cento de laranjas vale mais cem vezes do que uma laranja. Uma centena de homens mortos vale cem vezes menos do que um morto.
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