Ruth Guimarães
Na terra, de qualquer parte que se inicie a caminhada, andando em linha reta, se se desviar da rota, sempre se volta ao ponto de partida. A vida é retorno. A vida é repetição da vida. Assim são os tempos. Assim é Deus. Tudo tem fim e tudo tem recomeço.
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Assassina-se um homem e todos se agitam. Assassina-se um exército e isso não tem importância; quer a guerra, o genocídio, a invasão se chame Líbano ou tenha outro nome qualquer. Um cento de laranjas vale mais do que uma laranja (cem vezes mais). Uma centena de homens vale cem vezes menos do que um homem. Por que o indivíduo é tão importante e a multidão não vale nada?
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A planta perfuma os dedos que a esmagam. A uva triturada transmuda-se em vinho. O trigo moído é pão e vida. Na terra empapada de chuva há eclosões de floradas, se revolvida, se martirizada. A ostra doente produz a pérola. Velhas florestas petrificadas deram a riqueza do carvão de pedra. Do sofrimento multimilenar da terra vieram as pedras preciosas. Dos golpes nas árvores, a resina perfumada. A semente enterrada ressurge numa nova planta. Fustigados pelo sol tornam-se os frutos sazonados.
E o homem que sofre. Que dará o homem que sofre?
Ele é esmagado como a planta, triturado como a uva. E como o trigo, moído. E como a terra encharcado, torturado, golpeado. Fustigado de sol, de chuva, de sofrimento. Enterrado vivo nos abrigos, nas trincheiras, nas enxovias, nos cortiços, nos presídios.
E ele também canta para morrer. Canta hinos marciais e cantos de caserna.
Antes, dá o perfume dos seus sonhos. Depois todos os seus músculos, todos os seus nervos. Toda a sua tranqüilidade. E o vinho forte do seu sangue.
E isso talvez nem sirva de nada.
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Enquanto o enterro passa, alguns choram compungidos. Depois que passa, o lixeiro varre os confetes que restaram de ontem, da última folia.
Dois carnavais que se acabam. No fim de ambos, flores e confetes e serpentinas. Apenas um pouco de lixo colorido.
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A vida adota um sistema de empréstimos a longo prazo, com devolução total. Dá tudo e toma tudo. Adão foi a primeira vítima dessa agiotagem singular. Tiraram-lhe uma costela, deram-lhe a mulher. Concederam-lhe a maçã, tiraram-lhe o paraíso.
Ainda hoje, ninguém consegue nada de graça.
A vida, essa usurária. Essa usurária...
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