segunda-feira, 29 de abril de 2013

Olhai os lírios do campo

Ruth Guimarães 

E porque assim passam as glórias do mundo, convém comparar glórias de ontem e desgraças de hoje do outrora encantado Iraque, quando por exemplo pontificava o lendário rei Salomão, que viveu cerca de mil antes de Cristo. Quando o povo hebreu, com o nome mudado para israelita ou judeu era inumerável como as areias do mar. Salomão foi um rei fabuloso, de tanta riqueza e poderio, como nunca no mundo houve igual. Seu domínio eram todos os reinos, desde o país dos filisteus, até a fronteira do Egito. Na sua mesa apareciam diariamente dez bois gordos, cem carneiros, veados, corças, bois monteses e aves cevadas. Tinha quarenta mil manjedouras de cavalos de tração e doze mil cavalos de montar. Edificou o Templo de Jerusalém, onde nada havia que não fosse de ouro. Suas frotas, construídas e equipadas por marinheiros fenícios, os melhores navegadores do tempo, partiam do Porto de Eziongaber, no Mar Vermelho, em demanda de Tiro, de onde traziam a suntuosa púrpura; e, em demanda de Ofir, o misterioso país do Oriente, de onde vinham as pérolas, grandes como ovos de pássaros; e o ouro; e as pedrarias faiscantes. Salomão vestia túnicas de seda e arrastava mantos de púrpura. Às suas setecentas mulheres, quando viam das gelosias do harém apontarem as embarcações, sentiam estremecer o coração de alegria. Ali vinham panos finíssimos, transparentes, panos de nuvem, de luz, de teia de aranha, de sol, de chuva fina, de aragem. 

No harém, o reboliço era grande. Afinal, cada uma tinha o seu quinhão de tecido de fumaça e de penugem. E cada uma nele se envolvia, dobrando e ajeitando, e afofando, para algo acrescentar aos seus encantos, ao usarem as vestes com donaire e graça. E com isso, como hoje, ficavam todas mais despidas que vestidas. 

Foi mil anos mais tarde, quando a pobre nação de Israel, batida e devastada, gemia sob o tacão do vencedor, que alguma coisa de definitivo se disse a respeito de Salomão e seu luxo. Cristo, levando a singela túnica de algodão branco e ao ombro um pano, à feição de manto, advertiu: 

- Olhai os lírios dos campos. Nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles. 

Que usava, pois, tão ofuscantemente rico, o velho rei? 

Consta que escolhia para si tecidos de lã, coloridos, vindos de Sidon e de Biblo, bonitos e leves, a fazenda pesada, fofa, que os de Tiro coloriam com a tinta vermelha extraída de um molusco gastrópode. Manto de púrpura, só para os reis. O colorido era de um vermelho quente, vibrante, solene. Quando saía a público, era único, marcante, com todo o vestuário encantatório. 

Hoje a moda é o único reino sem protestos e sem rebeldia, todos e todas nós, servos humildes, legião. Seja o que for que nos empurrem os modelistas, costureiros, cérebros brilhantes em busca das novidades (a maior parte das vezes novidades velhas), seja o que for, nos encontra de rosto radiante, alegria muita e conformidade total. 

E quando saímos, no último rigor da moda, solenemente de busto erguido e de cabeça altaneira, reis por um dia, ou uma hora, esquecemos completamente a palavra grave do Cristo em seu mandamento e gentileza: 

“Olhai os lírios dos campos. Nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles.”
 
Botelho Netto
Foto de Botelho Netto

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