Ruth Guimarães
Ilka Brunhilde Laurito é o seu nome.
De deusa antiga, dos vikings, mas de poetisa muito moderna, e muito atualizada.
Seu primeiro livro de poemas, “Caminho”, tinha poesias como Hóstia, assim:
Pintei as sete cores
Do arco-íris,
No moinho
E chamei o vento
Ilka é professora secundária de
Literatura Brasileira, aposentada. Moça. Cabelos e olhos negros. Riso fácil.
Baixinha. Cores prediletas, segundo nos conta:
Preto e branco.
Atua não somente na poesia e na
literatura em geral, mas é militante em movimentos femininos de reivindicação.
-
A
mulher tem que conquistar o seu espaço – diz ela.
-
Ilka,
o que você tem a declarar sobre a poesia?
-
É arte
maior.
-
E sua
poesia?
-
Eu no
mundo, acontecendo.
-
E os
seus livros?
-
Acontecências.
-
Quantos,
até agora?
-
Caminho,
já antigo, Sal do Lírico, um pouco de poesia concretista, e Genetrix, onde me
apresento herege, com uma distorção do Gênesis.
-
Conte
suas experiências de publicar poesia.
-
Você
sabe que poesia não se vende, a não ser a do Carlos Drummond de Andrade, que é
muito boa, e a do J.G. Araújo Jorge, que é mais caridoso não avaliar.
-
E
então?
-
E
então, a Renata Pallotini e eu, fomos para a praça da República, na feira dos
domingos. Fomos as primeiras escritoras a expor na praça.
-
Como a
literatura de cordel?
-
Mais
ou menos. Mais como literatura de cartaz. Renata e eu, e a nossa amiga comum,
Neyde Arcângelo, viramos cartunistas. A nossa poesia lá estava, balançando ao
sol.
-
Valeu
a experiência?
-
Se
valeu! Foram dias inesquecíveis. Vendíamos um pouco. Ouvíamos muito.
Comentários que se cruzavam de todas as maneiras. É alguma coisa de muito
emocionante ouvir o que dizem de nós, espontaneamente, ouso dizer que até
inocentemente, pois ignoravam que as autoras estavam por ali ouvindo.
-
Os
seus livros se vendem?
-
Por
que me pergunta? Você é contra ganhar dinheiro com poesia?
-
De
jeito algum. Mas a sua poesia não é para o povão, nem é engajada.
-
Não.
Vejo que você está por dentro e que leu o que escrevi. Mas o que eu quero dizer
é que depois de escrito, o livro é mercadoria como outra qualquer. Vende-se. Eu
tento vender os meus. Estive na exposição da Mulher, com outras escritoras, e
mulheres com nomes feitos nas Artes Plásticas, Arquitetura, Música,
Engenheiras, Médicas, Educadoras. Compareci com Genetrix. Saiu muito bem. Tenho
poucos exemplares agora. Os outros livros estão esgotados.
-
E
continua escrevendo?
-
Sempre.
-
O que
acha da educação, agora?
-
Estou
aposentada há uns bons anos. Parece que me aposentei em tempo. Só ouço queixas
de professores. Mas posso dar estatísticas e súmulas de atividades, e de
pesquisas, apesar de serem indiretas. Como você sabe, ou não sabe, trabalho,
com a Lígia Correia, na fundação Carlos Chagas.
Ilka vive só.
- Uma
vez que não tive os prazeres do casamento, quero ter as doçuras da solidão, sem
precisar me acomodar à vida em comum, com ninguém.
(Ela responde a uma pergunta: a mãe viúva mora sozinha
em outro apartamento. A irmã, viúva, também mora sozinha num terceiro).
- Realmente,
eu preciso de solidão. Você sabe que não sou anti-social, tenho inúmeros
amigos, aprecio um bom papo, saio muito. Visito minha mãe e minha irmã todos os
dias; freqüento salões, teatros, cinemas, concertos. Viajo. Não faz muito
estive hospedada na Pousada do Barão, em São Francisco dos Campos, aquela
beleza que chamam de Suíça brasileira.
O plá continua delicioso. Ilka fala,
placidamente, alegremente. A sala é calma, enorme, cheia de livros. Uma jibóia
se enrosca numa grade de vergalhões negros cruzados. (Jibóia, aquela trepadeira
verde-amarela).
Ilka serve pra gente guaraná gelado
e batatinhas fritas. Conversa-se.
- Ilka,
você se sente realizada?
- Em
que? Na profissão? Professora? No meu posto de observação no Carlos Chagas?
Como poetisa? Como artista, eu não só devo me sentir insatisfeita, como
realmente não ando contente em demasia comigo mesma. Estou tentando melhorar.
Estou tentando dar à luz o poema, aquele que é o mais belo, porque é o que
nunca foi escrito.
Excerpto
– Genetrix
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E disse Ela, a mulher,
Transpondo a porta
Que o amor abrira ao pó e à morte:
- Adeus jardim da ociosidade!
Eu, fico com os trabalhos:
da terra, da idéia e do parto.
- Bendita sejas tu, serpente minha
irmã,
que me deste a provar
do lúcido fruto da inocência
e que me ensinaste o rastejo
neste chão de sombras
onde eu me ergo e vejo
a luz em que fui ontem
e o sol dos amanhãs.
- Vem comigo, homem, companheiro,
criatura minha, criador de mim,
vem comigo, homem, e traz a tua
semente,
que a ti, como eu te fiz, eu faço e
refaço e refarei
até que os tempos se cumpram
segundo o meu desejo e o teu.
- Adeus. Estou nua e sei.
- Saio do paraíso com o maior
prazer.
Assim disse a mulher,
E segundo Ela disse,
assim se fez.
Olá, pesquiso a obra de Ilka há algum tempo e seria muito importante para mim conversar com a pessoa que fez esta entrevista e/ou redigiu esta matéria. Como posso conseguir algum contato. Estou redigindo a minha dissertacao de mestrado sobre a autora e seria muito proveitoso poder conversar com esta pessoa, a qual nao consegui identificar no post. Desde já, muito obrigada.
ResponderExcluirMaria Paz Lencinas, mestranda em Literatura e Vida social pela UNESP
Boa noite,
ResponderExcluirRuth Guimarães é escritora, pesquisadora, cronista, jornalista e folclorista. Este blog reúne todo o acervo de suas obras, contando com mais de 50 publicações. Membro da Academia Paulista de Letras. O post acima é uma crônica a respeito de uma de suas grandes amigas. E sinto informar que Ruth está impossibilitada de conceder qualquer entrevista em virtude de sua idade avançada.
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