domingo, 28 de abril de 2013

O caminho do cacau

Ruth Guimarães 

É o mesmo cheiro que marca todo o estranho caminho do cacau. 

Que passe por Itapevi, Canavieira, Itabuna, Buerereme, Camacã. Nomes sonoros, de Brasil brasileiro, e que Carlos Drummond de Andrade poderia ter escolhido para um livro seu de poemas, se fossem baianos. E Pau-Brasil, antiga Santa Rosa, de agricultura mista, onde, entre cacaueiros, vicejam os milharais, de pendões dourados, para combinar com o tom geral dominante da paisagem. E Belmonto. E Porto-Seguro, ali mesmo onde o Brasil nasceu. E a paradinha particular, de Firmo Leal. E Ibicaraí... E Floresta Azul. E Água Preta, onde Jorge Medauar espiou lindas caboclas nos banhos de rio, quando era menino, e se lembrou quando continuou menino. Água Preta do Mocambo, nome de sonoridade africana, de dengo e banzo. E Guaraci e Pouso Alegre, o alegre-pouso de gente do criatório. E Itapitanga. E Piaú. E Rio Novo. E Itajuípe. 

Por toda a parte o cheiro. E por toda parte o longo rastro de sangue, que acompanhou a história. E por toda a parte a longa, torturada, a inolvidável história do cacau. 

História que machucou e que deixou cicatrizes. Seu Joãozinho Passos, de Itabuna, que vem de uma família de plantadores de cacau, dos antigos grapunas, desde os idos, desde o tempo das matas, desde o tempo dos barulhos para a posse das terras, foi nosso guia e cicerone nessa viagem. Diz que não é bom lembrar histórias antigas. O que passou, passou. Os coronelões não existem mais. Cangaceiros afundaram no mato por essas caatingas das Alagoas. Mas que havia gente valente, havia. Gente de tutano! - acrescenta Seu Joãozinho Passos, deleitado sem querer. - Gente dos Badaró. Gente de um tal Coronel Basílio. Um Brás Damásio. O negro José Nique. Um certo Brás de nome Brasilino, que, caindo no chão, morrendo, ainda atirava. O Coronel Amâncio Leal, desses de Firmo Leal. Ainda se conta a história das valentias dele, em verso, por aí. Coisas das histórias velhas: 

“Amâncio, homem valente, 
atirador de primeira, 
mais valente do que ele 
só mesmo Juca Ferreira. 
Em noite de escuridão, 
Se encontram na clareira: 
"Quem vem lá? - disse Ferreira". 

- Cego de feira sabe ABC desse povo, assim como canta Lampião e Arvoredo. Muita injustiça ainda há - ele ressalva - O povo dos ricos ainda ignora o padecer dos pobres. Tenho pra mim, sá dona, que é em toda a parte. 

Um trabalhador que para um momento de sapatear sobre o cacau mole, escorrendo mel, e que tem nos pés a crosta marrom que vem do ofício, declara: 

- A gente, que é pobre, a sina é esta.

2 comentários:

  1. Comentário de Tiago Ayres: Como Neto de Antonio Firmo Leal, filho de Firmo Ferreira Leal, fico feliz de saber que há bons registros sobre a vida e obra dessa época e gente tão especiais. Meu avô, Antônio Firmo Leal, infelizmente faleceu, mas deixou (ainda sem qq publicação) inúmeras histórias reais vividas na região desde á época em que lá iniciou seus passos com meu bisavô, além dos registros com seu primo e amigo Jorge Amado de Faria Leal.

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  2. Olá, Olavo, meu nome é Anamaria Lisboa, filha de Maria de Lourdes Leal Lisboa!
    Minha avó, Apolônia Leal era irmã de Tia Eulália (Lalu), mãe de Jorge Amado, que era primo carnal de minha mãe e meu primo segundo!
    Estou te explicando tudo isso para você entender o parentesco!
    O meu objetivo é saber se os Leal de nossa família são descendentes de portugueses!
    Conto com sua colaboração!
    Muito obrigada!

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