domingo, 28 de abril de 2013

Nótulas folclóricas

Ruth Guimarães 

Mãe Dágua é um mito hidrolático dos iorubanos. Freqüenta as águas profundas do mar, entretanto é encontrável também nas margens amáveis dos rios. Responde por vários nomes: Janaína, Princesa de aiocá, Princesa de Aroca, Oloxum, Sereia Mucunã, Insê, Marbô, é Dandalunda entre os bantos, Mãe Dandá dos candomblés baianos, e, como Anamburucu, é maligna, à maneira das deusas primitivas. É chamada ainda Quianda, em Angola, em Luanda. 

Foi estudada por Nina Rodrigues, As religiões no Rio; J. Silva Campos, em O Folklore no Brasil, edição comentada por Basílio Magalhães, relata um desses contos de marido da mãe dágua. Jorge Amado, em Mar Morto, conta da Iemanjá dos Cinco Nomes. Luís da Câmara Cascudo alude a um conto em que a tônica é dada pela recomendação do ente sobrenatural, no caso a Mãe Dágua: “Nunca arrenegue de mim, nem dos entes que vivem no mar.” 

O conto nagô Iya Omin Okum, repete a advertência: “Não arrenegue de gente de debaixo dágua...” 

Em outro conto, a cantiga da Mãe Dágua, quando abandona o esposo malcriado, que tinha acabado de arrenegar da gente das águas, começa assim: 

Minha gente 
é de xambariri 
Cai, cai, cai, 
no mundé. 

Os indígenas têm um mito aquático, Iara, espécie de sereia, que atrai os enamorados para o fundo das águas e eles nunca mais são vistos. Parece-me esta a diferença essencial, entre o afro e o ameríndio. Neste a náiade, Iara, sereia do mar, ou lá o que seja, não abandona o seu elemento, salso ou doce. É para lá que leva o apaixonado. E vai-se com isto, deste modo, a oportunidade de o rapaz ofender a bela. Já no conto afro, a deusa desce até o mortal, oferecendo-lhe riqueza, fartura, felicidade, participa um pouco da função daqueles gênios das Mil e Uma Noites, até que, muito humanamente, o homem cansa, não das mordomias, mas do amor, porta-se grosseiramente com a deusa, ela se vai, uma vez que o conto é punitivo, com ela vai a riqueza. Lá fica o pescador, o ribeirinho, na sua palhoça, e o conto dá em nada. 

Blaise Cendrars, Anthologie Nègre, Ed. La Sirène, Paris, 1927, conta uma história dos Bassutos da África Meridional, aparentada com a nossa: Séètelané encontra um ovo de avestruz. Quebra-o e dali sai uma linda moça, que ela leva para a sua cubata e a desposa. A moça, para consentir no casamento, impõe apenas uma condição: “Nunca me chame de filha-do-ovo-de-avestruz.” 

- Imagine! Gente! Eu te chamar disso aí? Nunca! Mas foi o que fez numa querela entre o casal, seguida da partida da esposa, com tudo que tinha trazido magicamente de riquezas. 

Consta que em Madagascar existe uma família descendente da Mãe dágua. O cavaleiro Huldebrand von Rinstelten casou-se com uma Ondine de Kuhleborn, rei do rio. 

O conhecido poema de Henrique Heine conta da sereia Lorelei, que habitava altos penhascos à margem direita do Reno. Ali penteava com pente de ouro os cabelos dourados e atraía os navegantes para o naufrágio. Esta lenda nos leva aos mitos gregos e por aqui ponto final. 

O Mt C 31, de Aarne-Thompson classifica como Tabu: Offending supernatural wife, o que nos conduz a uma conclusão: a África, tão isolada e misteriosa, vê-se que está perfeitamente integrada no folclore universal. 

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