domingo, 28 de abril de 2013

Notícias de poetas – Cecília Meireles

Ruth Guimarães 

Conheci Cecília Meireles há vinte e cinco anos, quando ela apareceu na Quinta da boa vista para assistir a um torneio de cantadores. Chegou silenciosamente, não sorriu, não falou. Ouviu apenas, inclinando a cabeça que ainda era formosa, com cabelos escuros escapando sob a boina preta, colocada sobriamente de lado. Olhos claros, olheiras escuras, rosto alongado, lembrava Geraldine Fitzgerald, num daqueles filmes passados num cais de bruma. Como se ainda continuasse perguntando o poema inesquecível: “em que espelho ficou perdida a minha face?”. 

De onde vinha o mistério, que a cercava? Parecia sozinha e frágil, ave marinha, num penedo sobre o mar. Dava a impressão no entanto de poder desferir o poderoso vôo e pairar sobre aquela multidão e aqueles cantadores, e aqueles risos, e aquela claridade do dia grande, carioca, pairar onipotente, defendida pelo seu mistério. De onde lhe vinha a tristeza? Sei lá. Estava nos poemas que também mergulhava num halo simbolista, nevoente, penumbroso, embora os temas fossem a manhã na aldeia, o peixe de prata, a lagartixa do muro, a goiaba, o mamão e a jaboticaba. Mira clara desposada. Ah! Mas havia o cão, na noite, que olhava com olhos de homem. E havia as canções? A canção do caminho, a canção da onda, as canções do mundo acabado. Tudo uma tristeza, mas tão fina, tão doce, tão resignada, tão suave que em verdade não havia soluços, mas o desligar de lágrimas lentas silenciosas. Eu a vi de boina escura, rosto alongado de perfil contra o sol glorioso, e não chorava, mas era como se chorasse. 

Em que espelho ficou perdida a minha face? 

Sempre dela ouvi falar como: o Poeta, e acredito na intenção do elogio. No entanto, nenhum poeta poderia ser assim terno, esquivo, com maciez de água redonda, da onde que rola, suave assim. Qual deles? Bem mais galantes e bem mais intuitivamente verdadeiros se mostravam os gaúchos que a chamavam A Poesia. Assim mansa, assim arredia, assim onda redonda, água que rola, marcou o grande poeta que é também Cassiano Ricardo. Ensinou-o, como só sabem fazer as mulheres, a nuançar a excessiva claridade dos murais, o gritante dos poemas coloridos, a alta ressonância indiscreta das palavras, para tornar ao pássaro, à manhã, e à rosa, docemente, contidamente, recolhidamente, como quem, por temor de acordar os ecos, murmura nas catacumbas, nas frias grutas e nas catedrais. 

Há muito tempo declararam alguns poetas que a poesia morreu. E hoje a Poesia morreu. Está nos jornais, mas é mentira. Com o Mar Absoluto, com as Canções, e com tantos outros poemas, ela continuará a existir em nós, suavemente. 

Em que espelho terá encontrado a sua face?

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