Ruth Guimarães
Quem quer branquear um preto, perde o seu
sabão.
Que a Rodovia Dutra está entupida, sabemos.
E que o governo tem que criar uma forma de transporte para tirar carros da
rodovia, está muito bem. Mas um trem bala?
O velho expressinho, de madeira, sacolejava
lotado, duas vezes por dia, às seis da manhã e às onze da noite. Durante o dia,
tinha os rápidos, também duas vezes por dia. À noite, a litorina, o trem baiano
KP-64, um noturno e um trem de aço com vagões-leito. Todos cheios. Cumpriam
horários, então eram transportes populares confiáveis. A crise do petróleo, a
primeira, de 1973, afundou a Rede Ferroviária Federal em vez de fazê-la
melhorar, como seria de esperar. Novas jazidas foram descobertas, as rodovias
prosperaram a bordo do líquido negro e da ganância das montadoras – eram
quatro, no Brasil, na década de 80; hoje são 17. Governadores multiplicaram estradas, que não
seriam tão essenciais quanto na época de Washington Luiz, que dizia que
“governar é abrir estradas”. Nascido em Macaé, mas dizendo-se paulista, esse
presidente abriu estradas mas não desprestigiou as ferrovias. Ampliou
alternativas, que é o que se quer.
A alternativa que o governo enxerga, hoje,
é um trem bala por dia. Luxuoso, com poucas paradas, caríssimo, ineficaz porque
é só um, vai atender a quem? Ao pobre não é porque é caro. Ao rico, também não,
porque este pode pagar a ponte aérea, que é mais limpa, mais rápida e mais
frequente. O trem bala vai atender a quantos? Mil e quinhentas pessoas, pouco
mais ou menos. Isso não tira nem 500 dos 20.000 carros que viajam entre São
Paulo e Rio a toda hora. Divida-se o investimento por 200 carros e será
possível ter uma idéia de quanto o governo vai gastar para tirar um carro da
Dutra.
E a manutenção desse trem bala?
Não é muito sabão para tentar tirar uma
tinta genética?
Foto de Botelho Netto |
Tem mais: as estações, abandonadas e
corroídas, caíram quase todas. Nas cidades onde o prefeito tem mais força ou
mais vontade, as estações viraram centros culturais. Com isso, o governo vai
fazer o trem parar só onde ainda existem estações, e contam-se nos dedos
quantas persistem.
E quanto estiver pronto esse cavalo de
Tróia, o dinheiro das passagens pagará os lucros, já sabemos; nossos impostos é
que vão financiar as suas viagens, pessoal capacitado, técnicos, operadores,
funcionários caros.
Que venha o trem bala. Todos nós
brasileiros sabemos que desgraça pouca é bobagem.
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