sexta-feira, 26 de abril de 2013

Não mudarás o teu semelhante


Ruth Guimarães


Quem quer branquear um preto, perde o seu sabão.

Que a Rodovia Dutra está entupida, sabemos. E que o governo tem que criar uma forma de transporte para tirar carros da rodovia, está muito bem. Mas um trem bala?

O velho expressinho, de madeira, sacolejava lotado, duas vezes por dia, às seis da manhã e às onze da noite. Durante o dia, tinha os rápidos, também duas vezes por dia. À noite, a litorina, o trem baiano KP-64, um noturno e um trem de aço com vagões-leito. Todos cheios. Cumpriam horários, então eram transportes populares confiáveis. A crise do petróleo, a primeira, de 1973, afundou a Rede Ferroviária Federal em vez de fazê-la melhorar, como seria de esperar. Novas jazidas foram descobertas, as rodovias prosperaram a bordo do líquido negro e da ganância das montadoras – eram quatro, no Brasil, na década de 80; hoje são 17.  Governadores multiplicaram estradas, que não seriam tão essenciais quanto na época de Washington Luiz, que dizia que “governar é abrir estradas”. Nascido em Macaé, mas dizendo-se paulista, esse presidente abriu estradas mas não desprestigiou as ferrovias. Ampliou alternativas, que é o que se quer.

A alternativa que o governo enxerga, hoje, é um trem bala por dia. Luxuoso, com poucas paradas, caríssimo, ineficaz porque é só um, vai atender a quem? Ao pobre não é porque é caro. Ao rico, também não, porque este pode pagar a ponte aérea, que é mais limpa, mais rápida e mais frequente. O trem bala vai atender a quantos? Mil e quinhentas pessoas, pouco mais ou menos. Isso não tira nem 500 dos 20.000 carros que viajam entre São Paulo e Rio a toda hora. Divida-se o investimento por 200 carros e será possível ter uma idéia de quanto o governo vai gastar para tirar um carro da Dutra.

E a manutenção desse trem bala?

Não é muito sabão para tentar tirar uma tinta genética?

Botelho Netto
Foto de Botelho Netto
Tem mais: as estações, abandonadas e corroídas, caíram quase todas. Nas cidades onde o prefeito tem mais força ou mais vontade, as estações viraram centros culturais. Com isso, o governo vai fazer o trem parar só onde ainda existem estações, e contam-se nos dedos quantas persistem. 

E quanto estiver pronto esse cavalo de Tróia, o dinheiro das passagens pagará os lucros, já sabemos; nossos impostos é que vão financiar as suas viagens, pessoal capacitado, técnicos, operadores, funcionários caros.

Que venha o trem bala. Todos nós brasileiros sabemos que desgraça pouca é bobagem.

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