domingo, 28 de abril de 2013

Maria

Ruth Guimarães 

Temos um vigário que é poeta. É vê-lo de óculos, no seu carro muito moderno e afobado, quem diria? Mas é poeta. Ouvimo-lo à tarde, às seis horas, nas comovidas preces à Virgem. O sino toca. Um disco gira interminavelmente a Ave-Maria de Schumann, ou alguma outra. 

A minha terra tem tardes lindas! Nunca, não há vi mais transparente, nem céu mais translúcido, nem verde mais lustroso, nem recortes mais nítidos de montanhas azuis (O Cara-de-cão) contra azul mais profundo de firmamento escampo. Céu onde é setembro sempre, várzeas onde é sempre primavera, água de rio corrente de música sempre, catadupas de luz esplendorosa, sempre. Na tarde fina que esmaece, se insinua o vago, o indeciso, a ternura que é o esbater do amor. A cidade fica inteiramente quieta. A tarde é brasileira, morena, com uns tons de jambo-rosa, e queda, por uns instantes de dengue, desolada e desconsolada. Não como quem morrer - mas como quem desmaia, e afunda e se entrega. E cerra os olhos, para, no escurinho gostoso, diluir-se em nada. A voz do padre corrige essa malícia pecaminosa: “Meus caríssimos irmãos”, diz padre José. “É hora da Ave Maria. “É hora de abstrair do sensualismo doce da preguiça e pensar em nossa alma imortal! Na misericórdia e na bondade. É tempo de trocar o devaneio pela meditação”. 

Ele não fala sempre as mesmas coisas, e nem sempre se o ouve, que os ouvidos andam moucos para as coisas divinas. O padre Vieira também não foi ouvido (e era o padre Vieira). Tampouco o era Santo Antonio, que teve que se dirigir aos peixes. E o próprio Cristo foi-o mais pelos inimigos que o crucificaram que pelos pescadores que o seguiram. 

Padre José Nunes Cardoso anda em muito boa companhia. Mas, um dia destes, dei comigo a escutá-lo. 

Ela é uma só, e múltipla na unidade, ele dizia. Senhora das Dores, para os que sofrem; Senhora da Guia, para os transviados; Senhora do Perpétuo Socorro para os aflitos; Senhora da Graça, para os desgraçados; Senhora do Amparo, para os pequeninos; Senhora Auxiliadora, para os que choram; Senhora da Boa Esperança, para os desprezados; Senhora da Bonança, para os navegantes; Senhora da Divina Providência, para os angustiados; Senhora da Boa Morte, para os agonizantes; Senhora da Soledade, para os que estão sozinhos; Senhora da Boa Viagem, para os caminheiros; Senhora da Paz para os corações inquietos; Senhora da Piedade para os desgraçados. Não foram essas palavras. Foi esse sentido sei que, por tarde de luz morrente e mansa, tocaram meu coração emperdenido, obstinado! Ave Maria.

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