domingo, 28 de abril de 2013

Louvação

Ruth Guimarães 

Faz tempo que estou escrevendo a história do tio Darwin. Darwin Aimoré do Prado, na vida civil e profissional. Não se trata propriamente de uma biografia: quando nasceu, quando morreu, se formou médico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em mil novecentos e nada, se era farmacêutico diplomado, doublé de fazendeiro. Trata-se também dessas coisas, mas não somente dessas coisas, e sim do homem que ele era, naturalmente muito misturado ao médico que sempre foi. 

Sua fama corria mundo, o nosso mundinho valeparaibano, de uns três ou quatro milhões de habitantes. Consultório dele estava sempre cheio de forasteiros, clientes surgidos atrás de milagres, esses milagres que ele sabia fazer com muita prontidão e segurança, à sua maneira singela e bonachona, sem demonstrar se estava saindo porque queria, talvez, das cravelhas dos simples mortais. Ele suscitava uma confiança irrestrita, ilimitada, porque era sereno e ouvia com paciência de santo a bateria toda de sintomas dos choramingantes clientes. Essa era a sua magia maior. A outra era que o diagnóstico estava pronto por uma intuição assombrosa, que alguns quiseram interpretar como intervenção divina. Pois o velho médico não pedia checape e até exame nenhum. Seus instrumentos eram os dedos mágicos, e os ouvidos, com estetoscópio ou sem ele. E a palavra de ouro, uma palavra segura e certa. O paciente sabia do que se tratava e o que poderia esperar dele como médico, dentro dos conhecimentos humanos. Confiança, era a palavra. Conhecimento era a palavra. Uma altíssima consciência profissional eram as palavras. 

Não quero falar de caridade aqui, que o meu espaço é pequeno. Não quero falar da sua caridade, tão calada e discreta, que realmente a mão esquerda não sabia o que fazia a direita. 

Com esta conversa toda, tinha até me esquecido porque comecei a falar de tio Darwin. É sobre essa questão da eutanásia. 

Tenho visto muita gente brincar com a morte. Tenho visto muitos médicos brigando com a morte. Mas tio Darwin nunca vi nessas lides supérfluas e desesperadas. 

E com isto aprendi. 

Quando a injuriada das gentes vier, nas asas de umas batidas do coração a menos, ou de uma pneumonia, (a amiga dos terminais e dos crônicos), vamos desligar singelamente, sem lágrimas, sem pressa, os aparelhos. 

Nós partiremos em paz. 

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