domingo, 28 de abril de 2013

Lendas Cachoeirenses

Ruth Guimarães 

Consta que, em Cachoeira, havia um grupo endiabrado de homens, lá por mil novecentos e nada. Foi quando apareceram uns missionários capuchinhos, esses padres franciscanos que usam um rosário imenso com uma cruz de madeira na cintura, e uma coroa, aberta na cabeça, como um halo de santidade. Eles estavam dispostos a pôr ordem nesta terrinha, e a acabar com a sede de viver daqueles homens de que falamos, moralizar a sociedade, liquidar com certos casamentos morganáticos, desmanchar as bigamias institucionalizadas, fechar as portas de um casario alegre, bem no caminho da igreja matriz. Mas os franciscanos, cheios de boas intenções, não tinham nenhuma doçura evangélica. Eles gritavam alto e bom som os pecados daquele grupo endiabrado. E contavam fatos que não sei como foram parar nos seus ouvidos. A coisa chegou a tal ponto que, quando os missionários começavam a dizer o que se fazia de imoral por aqui, o povo murmurava: o seo Fulano, o seo Doutor Sicrano, dando descaradamente os nomes aos bois. Com isso transbordou a taça dos ouvintes. Esgotada a paciência que tinham, formaram uma comissão e foram procurar os frades, na sacristia. Reverentes, a princípio, pediram desculpas de os procurarem, tinham os chapéus seguros nas mãos e encostados ao peito. 

- A gente pedia, seo padre, que o senhor não fosse tão direto. Podia atacar o pecado, mas não dar a entende de quem se tratava. O senhor está atacando, a gente sem pode se defender, estamos ficando mal vistos... 

O capuchinho que os atendia, ainda quente da fala no púlpito, respondeu que eles, reles pecadores, não estavam ficando mal vistos por causa da denúncia dos capuchinhos. Eram mal vistos há muito tempo, por causa do seu mau comportamento. Que esses pecadores tinham mesmo cara de pau, para virem interpelar sacerdotes que apenas faziam a sua obrigação. E que eles, capuchinhos, não iriam parar com as denúncias... 

Não pôde acabar o seu inflamado discurso. O homem deu-lhe um tranco que o atirou para o canto da sacristia. 

- Vai parar ou não vai parar com essa pregação abusada? 
- Nem eu, nem meus irmãos de fé. Estamos aqui para denunciar abusos. 
- Então o senhor não vai nem ver o povo mais. Daqui vai é embora. 

Outros três capuchinhos que entraram pela porta da sacristia, para defenderem o companheiro, foram empurrados também para fora, aos safanões. Um resto de respeito ou de medo de ofenderem a pessoa sagrada do representante de Cristo ainda detinha os agressores. Mas infortunadamente, na saída para a rua, um dos missionários pisou em falso no primeiro degrau, e caiu. No que se ajoelhou no chão, quebrou o crucifixo de madeira da cintura, e pôs-se a clamar que estava sendo agredido, que estava machucado, e amaldiçoou os pecadores empedernidos. Os tais empedernidos foram saindo de fininho, e desapareceram por aquelas ladeiras do alto da igreja, deixando lá os pregadores indignados. 

Na cidade inteira o relato desses fatos foi comentado de mil maneiras. Os capuchinhos se foram também horrorizados com os impenitentes. Correu um boato de que a cidade tinha sido amaldiçoada. Alguns familiarizados com esses incidentes religiosos e suas conseqüências comentavam que a cidade teria cinqüenta anos de atraso. 

Quase cinqüenta anos depois, mataram o padre Juca, no seu quarto na Santa Casa. Na porta, ele mandara colocar uma pequena placa, onde estava escrito: Meu Ceuzinho. 

Mais cinqüenta anos de atraso, gente? 

Era o que parecia. 

Não precisamos dizer aos nossos vigários que se cuidem. Não há missionários no horizonte, nem indícios de que haverá dinheiro nas igrejas, em quantidade que atraia assaltos. Estamos chegando ao fim do castigo, ou da praga, ou seja lá do que for, que atrase a nossa cidade. Acordem cachoeirenses, que é hora de lutar. 

Só mais uma coisinha, para terminar. Agora é preciso desenterrar a caveira de burro que, dizem, foi enterrada por uns malfeitores invejosos, no campo do Cachoeira F.C.

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