domingo, 28 de abril de 2013

INPS e IAPB

Ruth Guimarães 

A Câmara Municipal de Pindamonhangaba, na época do IAPB, Instituto de Assistência de alguma coisa, pioneira no assunto, votou uma lei de proteção aos burros, que tendo trabalhado demais no serviço público, não davam mais conta de suas tarefas. 

Pioneira eu disse, mas é verdade que na minha terra, há já algum tempo, alguns fazendeiros mais sensíveis, a quem não importava o acréscimo aos seus capitais da pecúnia resultante de um couro de burro, já aposentam seus burros velhos, soltando-os no pasto, para que fossem desvivendo como pudessem. 

Verdade que os moleques usam montar de três e quatro em cima desses desgraçados, dando-lhes pauladas, pedradas, para exercício da pontaria, ou arranjando-lhes em nó a cauda esfiapada como vassoura velha. Ainda assim, melhor que morrer arrebentando em varal de carroça, ou ajoelhar para a agonia, preso ao cabo da almanjarra. 

Um desses burros, que, de preto se tornara fosco, divertimento de vadio era jogar formicida nele. Certo dia, em que andava aos pinchos aos coices e aos zurros, Mané Português deu-lhe cabo do arcabouço com um tiro, pensando que estava hidrófobo. 

Um outro, que também andava ao Deus dará, isto é, aposentado, costumava ficar muito quieto e pensativo num campinho, vizinho de um cortiço. Tranqüilo. Nem é preciso falar nas brincadeiras impetuosas da molecada; eis que um poderoso atrativo desviou a atenção dos pequenos vândalos: chegou um circo de bichos. 

O leão, esfaimado como sempre, dava urros tremendos; cachorrada vadia desapareceu do mapa, repasto que foi do rei terrível. Mas, terminados cães e gatos das ruas, teve um dia o tratador que tomar uma providencia, antes da última - mais ou menos impossível - de comprar carnes no açougue para a fera. Em seus giros pela cidade, depara com aquela beleza: um burro velho, sem dono, centenas de quilos de carne, osso e pelanca. Conversa vai, conversa vem, com a mulher que afirmava tratar do burro porque tinha dó dele, acabou comprando-o pela módica importância de quatro entradas no circo. 

A notícia que nos vem de Pindamonhangaba não é muito prolixa, mas dá a entender que não se trata de uma aposentadoria à moda da minha terra. 

Depois de duro labutar, esses burros pindenses terão uma espécie de paraíso terrestre, em pasto verdejante, com muito capim-angola, águas de límpidos riachos, um ócio infinito, nenhum carroceiro de maus-bofes para lhes esbordoar os flancos, nenhum moleque para se lhes dependurar nas crinas. E, no inverno, quando a longa estiagem estorricar ainda mais esses rapados pastos valeparaibanos, encherão para eles cochos com ração e sal grosso. E, naturalmente, não os deixarão com a crina e o rabo entrançados de amor-seco e de carrapicho. E serão providenciadas raspadeiras para seus velhos pelos e banho carrapaticida para seu couro gafento. 

Não sei se devo cometer a catacrese de chamar tal lei de Humanitária e, de qualquer maneira, de burritária é que não a chamaria. Não sei de que maneira foi e – será ainda? – cumprida, nem se havia verbas para tanto, se teria precedência sobre outras leis igualmente compassivas. Nem sei se teriam que confiar a organização aos cuidados de um instituto de aposentadoria e pensões dos Burros, que não poderiam rotular de IAPB (lembrei-me: Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários) por motivos óbvios. 

Ou se haveria um departamento da Prefeitura, anexo ao do pessoal, o qual cuidaria dos direitos e privilégios desses dedicados funcionários, que a idade e o cansaço tornaram inativos. 

Se esta lei ainda vigora, deve ser de muito uso. Há ainda tantos burros a labutar neste país...

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