sexta-feira, 26 de abril de 2013

Gente pobre


Ruth Guimarães     

Confesso uma paixão de controle pouco cerebral por Fiodor Dostoievski e, por extensão, por quem dele se enamora e por quem dele se deixa enamorar, influenciar, penetrar.

Paixão por não saber como classificar o que não é divino, nem infernal, nem terrestre. A pobre linguagem humana, como poderá chegar a dar uma pálida ideia do que acontece no fundo das almas e como se comunicam uns e outros e como se entendem os sentimentos de uns e outros. Como dar uma pálida impressão das profundezas da alma.

Tem que ver não só com a escolha das palavras significativas, dentro de um contexto, mas com a sua música, o seu ritmo, o seu pulsar, o seu juntar-se à nossa dor e à nossa alegria.
No seu primeiro romance, esse russo inefável, já aos vinte e cinco anos de idade, dá voz àquela gente que não tem de seu senão os sentimentos.  Gente que conhecemos, ele na Sibéria e nós aqui. Homens e mulheres que passam por nós nas ruas, no metrô, abandonados pelos poderes e pela justiça dos homens. Gente de quem Luís Avelima conhece o pulsar. E, a bordo dessa vivência por vários mundos – incluída aí a Sibéria de Dostoievski, onde esteve durante seus oito anos de residência na Rússia – nos ajuda a trazer para o português o que parecia que só a língua cirílica poderia traduzir.

A tradução que Luís Avelima nos traz de Doistoievski é tão singular quanto doce, e tão suave quanto trágica. As epístolas trocadas entre Makar e Varvara exibem imagens como esta: “Envio-lhe algumas uvas, meu coraçãozinho; dizem que são muito boas para os convalescentes, e o médico as recomenda para matar a sede, apenas para matar a sede.”

Esse moço, Avelima, que conheço de muito boas notícias, parece ter na alma a identidade com o conteúdo da primorosa tradução que fez: um homem honesto em relação aos sentimentos próprios e dos outros; homem tocado pela fraternidade; homem movido por um sentimento de humanidade.  Como Dostoievski.

Botelho Netto
Foto de Botelho Netto
E é por essa identidade que ele nos obriga a amar, com toda a alma. Pois traduzir assim é divinatório, é criar e exercer o contato de duas vidas. Sinto-me enriquecida. 

Nota:
“Gente Pobre”foi editado pela Editora Letra Selvagem, de Taubaté, criada e mantida pelo escritor e pesquisador Nicodemos Sena, que não busca o lucro, mas o resgate de obras que as grandes editoras desdenham. Sena foi quem garimpou o original e convidou Luís Avelima para realizar a tradução.  

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