sábado, 27 de abril de 2013

Festas juninas no Brasil

Ruth Guimarães 

As festas juninas são as mais brasileiras de nossas festas. Brasileiras, embora de fidalguíssima origem francesa. Vieram das cortes de Luís XIV, o Rei-Sol, e de Luís XV, aquele mesmo dos faustos e do romance com Madame Pompadour. 

Em Versalhes dançava-se com roupagens de seda, luvas de renda, jóias raras. A música engendrada pelos compositores mais sofisticados, numa coreografia engenhosa e com passos saltitantes. 

Essa dança veio parar na roça dos Pichochó, no sítio do Tião Gurundá, nas fazendas que rodeiam as cidades, na periferia dos grandes centros, no Brasil de Sul a Norte! Como? Por quais caminhos? Algum caipira foi a Paris apreciar e aprender a quadrilha? Algum francês se internou por esses matos e ensinou a dança aos papagaios e aos botocudos? 

Não seria preciso fazer essas perguntas, se fossem hoje tais acontecências. Está aí a mídia que vara extensões, entra em todas as casas e fala em todas as línguas. O que se cochicha no Palácio de Buckingham, ressoa no casebre de pau-a-pique de qualquer Mané-sem-Graça. O canto do paroara amazonense ecoa na Índia ou na China. E há a Internet, que os ladrões estão usando para roubarem mais facilmente. 

Na época não havia nada disso. Não obstante, alguns se fizeram universais. Hajam vista os ensinamentos de certos pescadores, arrastados pela voz poderosa de Um que queria fazer deles pescadores de almas. Eram pobres, ignorantes, nunca tinham saído de sua aldeia, do seu mar da Galiléia, a região era mal vista porque em verdade nada de bom saía de lá. Apesar disso a sua voz se ouviu no mundo inteiro e dura até hoje. Como se espalhou? Ninguém tinha carrão zero, nem avião particular, e apenas possuíam uns barcos mambembes a remo, muito rudes e feios. Não havia TV nem rádio, nem telefone, nem computadores nem internet. Como a sua voz se espalhou no mundo inteiro e dura há mais de dois mil anos? 

Eles pregavam aqui e ali, sempre por perto. Foram dotados pelo dom da oratória. Pelo que sabemos, nesses espetáculos populares, não havia dançarina árabe com a dança de sete véus, o tchan da época. E mesmo assim, e mesmo assim... 

Que caminhos seguiu a quadrilha, dança que veio dos salões palacianos, diretamente para a cultura brasileira? Esses são os caminhos da religião, também esses são os caminhos do folclore. Sua penetração, receptividade, aceitação, difusão, duração, fazem parte de um milagre que não nos é dado explicar. 

(Diretamente, nem tanto. Pela lei da imitação de Propp que qualquer folclorista mais ou menos conhece, as danças entraram por imitação do menor para o maior nos bailaricos populares, de Paris e das províncias). 

Onde será que o povo foi buscar aquelas frases burlescas de um francês bastardo, com sotaque caipirês, que usam todos, gente fina e gente grossa, na marcação das quadrilhas, esse bailado tão popular?! 

Mário de Andrade recolheu um texto delicioso, desses que andam por aí vivos, não com dois mil anos ainda, seguramente uns oitocentos anos. Meu Deus! E há quem fale em gente quadrada e ultrapassada! 

Na fazenda do Itupu onde em muitos junhos seguidos, vi, ouvi e dancei! Ri bastante, porque estava feliz e ainda rio hoje, emocionadamente, divertindo-me, ao relembrar aquelas quadrilhas, tão francesas! Tão brasileiras! E ainda há pouco dias, ri na festança do Dilson e sua gente, com aquela quadrilha, sem tirar nem pôr a de Itupu na minha lembrança de há bem uns sessenta anos. 

Tur! Balancer! Anarriér! Anavan! Tur de dáme! Tur de cavaieiro!, misturado com a contribuição tupiniquim: 

A ponte caiu! Ei vem a chuva! Tem cobra no caminho! Pare a tropa porque uma besta mancou! 

Longe dos reis de França e dos esplendores dos palácios, mas tudo tão próximo, tão brasileiro, tão da nossa cultura em formação, tudo tão folclorizado em terras do Brasil!

Nenhum comentário:

Postar um comentário