sábado, 27 de abril de 2013

Dois dedos de prosa sobre os contos populares

Ruth Guimarães 

Disseram-me que eu devia explicar rapidamente, num bate-papo rápido ameno, o critério para escolher contos de folclore próprios para crianças. 

Em primeiro lugar, não haver preocupação sentimental nem pedagógica. Nada para comover, nada para ensinar. O conto puro e simples, tendo no bojo o ensinamento natural, que é o que é. 

O primeiro contato irracional com a matéria será juntar o material, recolhendo-a na fonte despreocupadamente, isto é, entre o povo, assim como se recolhia ouro, nos rios, no tempo em que havia. 

Parece-me necessário observar que a maioria das histórias da tradição oral, inclusive o cordel, são narrativas também recolhidas na tradição oral européia e belamente recontadas por Andersen, Grimm, Perrault, que há mais de um século já sabiam o que convinha à criança, isto é, o que inspira bons pensamentos ao imaturo, ao homem simples, ao rústico, inspirará bons pensamentos e a aceitação do caminho reto à criança. 

A maioria dos contos tradicionais do Brasil são pois de proveniência européia, veio através dos racontos orais do português descobridor e colonizador. Temos ainda os mitos ameríndios e os africanos. 

As lendas indígenas primeiramente as recontaram os viajantes, Baldus, Hart e outros e, depois, bem mais tarde, os nacionais, Sílvio Romero, Barbosa Rodrigues, Afonso Arinos, Basílio de Magalhães, J. Silva Campos. 

As africanas são mais raras, simples variantes que o negro adaptou e aceitou de histórias européias. Muitos contos de bantos, nagôs e jejes, são histórias européias recontadas pelos negros ladinos e outros, adaptados à sua situação e à singeleza do seu linguajar português que lhe fora recentemente imposto. 

Tratando-se de contos tradicionais brasileiros, ao seu habitat não comparecem as fadas, nem as ninfas, nem os elfos, duendes e outros povos. Mas vamos conviver com uma sociedade fantástica, de que fazem parte o Caipora, ou Curupira, o Saci, o Quimbungo, o bicho Cumujarim, o Negrinho do Pastoreio, a Mãe D’água, a Mãe de Ouro, o Caboclo d’água e outros. 

Minto. Temos uma fada em Nossa Senhora, a doce e suave protetora dos desvalidos, sempre aparecendo na figura de uma velhinha corcovada e rezadeira. 

Para recolher esses contos, é mister buscar a coisa comprovadamente nossa, inserida em nossos costumes, falando de nós e dos nossos costumes, dos nossos animais e de nossa gente. Dos acontecidos nossos e de nossas crenças. 

Esse será o primeiro critério, a coisa comprovadamente nossa. Nessa questão, para que se possa comprovar a pureza, mister será buscá-la no meio rural, na periferia das cidades, entre gente idosa, analfabeta, ou semi-alfabetizada, que jamais leu um livro e apenas ouviu falar da Sagrada Escritura ou do livro de São Cipriano, que ouve programas de rádio e assiste às novelas. Essa gente existe sim, Dona Maria do seu Oliveira, remendona, que costurava na máquina de mão, contando casos, ao ritmo de um ruído assim: jeng, jeng, jeng, jeng. Pedro Santeiro, fazedor de poços e não de santos. Seu Leopordo Vem-entrá-de-acordo, que, sendo chamado pelo apelido, desanda num chorrilho de palavrões. E Mané Borges, pescador. E Nhô do Rafaé, sitiante. Siá Marica, uma velha cega, antiga costureira de carregação e doceira, nos tempos em que enxergava. Sá Liduvina, que fazia uma fogueirinha de cavaco na calçada e ficava contando lérias na rua de Baixo, aliás rua do Sapo, aliás do Mercado, aliás do Caçamba. Na placa está escrito Rua Prudente de Morais. 

Nós brasileiros somos feitos de aceitação e de silêncio. Que venham pois as histórias de outros comportamentos sociais, para nos contarem a nossa verdade.

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