sábado, 27 de abril de 2013

Do vestuário

Ruth Guimarães 

Se alguém fizer esta pergunta a alguém: -Por que você se veste? – Ora essa! será a resposta, provavelmente muito assombrada - Ora essa! – Parece tão óbvia a razão de nos vestirmos, tanto estamos habituados a andar envolvidos em panos! E talvez até não se saiba dar mesmo, de pronto, a razão última do uso do vestuário. Ou talvez não se possa dar uma resposta só, pois a pergunta admite várias: 

- Preciso me defender das intempéries. 

- E no bom tempo? 

- Bem, há o frio... 

- E no calor? 

- Ora, há o vento. O sol é causticante, queima, irrita a pele.. 

- E nos dias amenos? 

O nosso interlocutor enveredará por outro caminho : 

- Era só o que faltava, andar a gente sem roupa! 

- Os índios não terão pudor? 

- Ah! estão acostumados! 

- Então o pudor é questão de costume 

E perguntaremos novamente, implicantes: 

- O pudor obrigará a mulher a usar menos decotes? e vestidos curtos? E saias abertas? E roupa de banho resumida? E roupas colantes? E roupas transparentes? E o pudor obrigará - quem sabe?- os homens a amarrarem uma gravata no pescoço? E a vestir paletós de mangas compridas, pesados e quentes, no verão, enquanto ao seu lado a namorada passeia de braços e costas nuas. 

E o nosso amigo recomeçará: 

- A tradição... 

- Bah! A tradição! Que tradição será essa que muda a todo instante? Será por tradição que as saias hoje estão nos joelhos, amanhã nas canelas, depois de amanhã, nas coxas, - nas canchas de tênis têm dois palmos, nos bailes descem aos pés. Tradição será vestir calças de boca larga este ano, de boca estreita no ano que vem? Tradição usar jaquetão, casaca, slacks, mas variando sempre nas cores, nos modelos, no tecido, na confecção, nos enfeites? Tradição, na variedade, se tradição é conservar? Os camponeses das velhas civilizações, guardiões das tradições, não variam nunca seus modelos. 

- Está bom! – dirá a pessoa, tolerante- A moda obriga. 

- Ah ! a moda! E quem faz a moda? Esses modelistas ousados, ou essas mulheres patricinhas? Por quê um modelo pega e outro não? Por que é e sempre foi. O modelista maior ditador de modas do que o faraó, que contra tantas se insurgiu, do que Luís XIV, do que o Kaiser, do que o Czar da Rússia, todos esses com suas leis suntuárias ? 

Bem, não sabemos. Podemos escrever a história da moda, registrar-lhe as variações, procurar captar-lhe a fugidia beleza, mas jamais explicá-la. Aceitar-lhe o misterioso império, mas nem sequer fugir-lhe. Entretanto há uma coisa que salta aos olhos de qualquer pessoa, que se detenha um momento para pensar nisso. É que, por maior que seja a variação, e por grande a padronização imposta pela moda, cada um põe no que veste um toque do seu espírito, arranjo pessoal, o seu gosto, o seu humor, o seu desejo, as cores da sua solidão ou da sua felicidade, sua maneira de ser e de não ser. 

Suponhamos que encontramos na rua um homem de terno cor-de-cinza, camisa branca, calças de vinco impecável, sapatos pretos engraxados e, ao lado dele, um outro homem de blusão vistoso, de cabelos que chamamos cheios, sabemos o que pensa e quer, e não sabemos o que quer e pensa o outro? 

Toda uma filosofia de vida, toda uma escolha, todo um pensamento, toda uma direção, um modo de viver, transparecem através do vestuário. Isto é inegável ! 

Mostra-me o teu guarda-roupa... e eu te direi quem és!

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