domingo, 28 de abril de 2013

Escravos multicores

Ruth Guimarães 

A coisa começou mal. Digamos que houve boa intenção e até boas intenções? Muitas ações geniais vindas de idéias novas e ousadas, vindas da generosidade e da compaixão, mas depois do 13 de maio calaram-se as vozes e tudo voltou ao que era dantes, com boa parte da população, os negros, vagando sem destino, sem saber para onde ir, o que fazer. O que fazer? Sem programa, sem orientação, sem experiência, não sabendo e nem podendo viver sem tutela, entregaram-se ao seu destino e sem defesa, e continuaram escravos, desta vez por injunção da vida, por bem querer, por desânimo, por não haver como viver de outra maneira. 

E assim inutiliza a mais bela de nossas iniciativas. 

Ninguém mais ouviu uma só palavra dos abolicionistas. Fim de papo. E o negro virou escravo da incapacidade, da ignorância e da miséria. 

Mas não iremos muito mais longe nesse caminho. 

Hoje, em nossos dias de muita psicologia e de didata, de muitos ismos, estamos cheios de exemplos dos escravos da incapacidade. Negros, brancos, amarelos, vermelhos, pouco importa a cor. E caminhamos em passo de tartaruga, ou pior, de caranguejo, para a frente, para o lado, para trás. Penaliza-se o professor de pecado que não cometeu. Não se procurou educar o mestre para a execução de um programa. O magistério não pode cumprir uma tarefa para a qual não foi capacitado. 

Nossa educação está cheia de programas inexeqüíveis por incapacidade dos seus encarregados. 

Vamos fazer a pergunta que cabe aqui: 

Esta terra tem governo? 

Outro exemplo: 

Uma velha amiga, certa vez me disse: "um dia desses assisti na televisão, um programa de Pobre, que naturalmente não tinha esse nome." E continuou dizendo que mulheres vinham fazer as suas queixas e os seus pedidos. Uma seria e foi aclamada princesa por um dia, ou por uma hora. Atendiam-se belas moças, esgalgas, uma delas lhe colocou o manto, isto é, a roupa da moda, não sei se de púrpura e arminho, em todo o caso uma irrisão. Ela suportou com tranqüila dignidade, eu achei, os percalços da sua dupla condição, de Pobre e de princesa. Então, como nos tempos do califa Harum-Al-Rachid (aquele que enviava bolos recheados de dinheiro a míseros fabricantes de cordas de cânhamo, ou mandava pagar 10 talentos de ouro àqueles que mostravam a sabedoria e prudência). Como nesses tempos, choveram os presentes, pois que a televisão é um dos sucedâneos do conto de fadas. 

Ela contara que trabalhava como empregada doméstica, com o ordenado de trezentos reais mensais, que tinha sete filhos, que o marido, servente de pedreiro ganhava trinta e dois reais por dia, quando trabalhava. Que mora num barraco, alugado ou emprestado por um compadre, onde chove muito. Não fez drama nem chorou. Eis o que ganhou: um relógio, um jogo de panelas, roupas para o marido, no valor de quinhentos e cinco reais, um colar de pérolas e muitos outros presentes. Foi assim mesmo, a música soou, tudo era belo, fantasmagórico, brilhante. Puro conto de fadas, que essas estórias têm sido consideradas ultimamente anti-pedagógicas e perigosas. 

Acontece que no outro dia o coitado acorda pobre como antes, conforme o seu temperamento, até mais pobre. 

A propósito dos brados de Judas, contra o desperdício perpetrado por Madalena que ungia os pés do Mestre, e falava de vender o nardo por trezentas dracmas, para distribuir o dinheiro pelos pobres, falou: "não estarei entre vós por muito tempo. E sempre existirá o pobre." 

Palavra grave. Palavra estranha. Palavra aterradora: sempre existirá o pobre. Mas por quê? Por que não queremos que acabe a pobreza. Precisamos dela para mostrar que grande coração possuímos. Não educamos os pobres. Porque não providenciamos um ofício nem a readaptação de um servente de pedreiro, pai de sete filhos, mas damos-lhe me público, com muitos risos e muitas palmas, jogos de panela, que ele não tem onde guardar, e relógios folhados a ouro, para esse que, como o filho do homem, não tem onde pousar a cabeça. 

Solução para isso? E eu sei? E, se soubesse, adiantaria publicar? Em compensação poderia contar duas histórias. Primeiro a do Rei Midas, que transformava em ouro tudo que em que punha as mãos, e quase morreu de fome. E outra história tristíssima de antanho, em que uma princesa transformava em cinza as coisas em que tocava. 

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