Ruth Guimarães
A era dos cavaleiros passava. Aposentaram-se as armaduras, caixas de aço de linhas severas, munidas de articulações tão bem ajustadas que era impossível fazer penetrar nelas uma lâmina. Era preciso uma coragem excepcional para enfrentar essa gente blindada. Porém, posta em uso a pólvora, de que serviria ao homem a força hercúlea e as espadas de dois metros que os cavaleiros manejavam com as duas mãos?
Iniciava-se a era das armas de fogo.
A armadura estava virando peça de museu.
Conta-se, já nessa época, de uma senhora que quis receber muito bem um convidado. Levou-o para dançar, depois para ouvir música, e mostrou-lhe todos os divertimentos que podia arranjar. E ele comentava brevemente: “não entendo disso, não é meu ofício”. “Mas qual é então o vosso ofício?” ela indagou. “Sou guerreiro. Sou espadachim.” “Ah!” – a dama replicou. “Seria melhor então que oleásseis cuidadosamente a vossa armadura, os vossos arneses de guerra e o vosso próprio corpo e fosseis depositar tudo isso, a vós inclusive, num arsenal, pois é bobagem estardes aí a enferrujar sem necessidade.”
Os professores universitários foram humilhados e ofendidos e eu não disse uma palavra; houve cassados e caçados e eu não disse uma palavra. Sou o produto covarde de uma geração de covardes. A mim me preocupam o meu pão, o meu teto, o meu sossego, a minha respeitabilidade mesquinha, o meu emprego. Não vejo que isto se vai aos pedaços, lama abaixo. Não foram para mim as palavras claras do Cristo, as palavras candentes do Cristo, as palavras imensas do Cristo: nem só de pão vive o homem, mas também da graça de Deus. Mas também de ideal, mas também de amor ao próximo, mas também da verdade, mas também da liberdade, mas também do sacrifício, mas também do desprendimento, mas da coragem, do destemor, da sabedoria.
Esses estudantes, certos ou errados – e sinto que esta ressalva é ainda uma concessão ao meu medo – ao teto, ao emprego, ao pão, ao status – esses estudantes aí estão lutando por alguma coisa, têm ideal e coragem, têm uma ideia generosa. Deus não vê “se as mãos estão cheias, mas se estão limpas”, e “abençoa não o que acha, mas o que procura”.
E eu não preciso dizer mais nada.
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