terça-feira, 23 de abril de 2013

A nossa português, casta linguagem II

Ruth Guimarães 

Há tempos que eu não via minha comadre Marina. Encontrei-a no domingo, carregada como de costume, com as compras de mercado, ai! comadre! Cansada que nem lhe digo! E contou que tinha tido a casa cheia nesse final de semana, por causa do aniversário da Lila. Os quinze anos, comadre! Que luta! Fora os de casa, vieram os cunhados, dois irmãos do Gentil, as esposas, os filhos, e mais uns moços, amigos deles. 

- Tive uma trabalheira, porque você sabe que eu gosto de receber na minha casa é para tratar com o maior prestígio. Também hoje é que saí um pouquinho. Deixei o Gentil em casa, apascentando as crianças. Ele está de folga. Você está rindo? porque a folga do Gentil é para apascentar crianças? Ché, boba! Ele não faz nada. É que, se algum cair e quebrar uma perna, ele está ali para providenciar. Até esta perante data, ele nunca se mexeu para limpar o nariz do Joãozinho que seja. Eu, além de caminhar sem nexo a manhã inteira, fazendo compras, ainda tenho que chegar e dar um duro que nem lhe conto, no fogão e no tanque. Ai, vida! 

A última vez que vi minha comadre, ela estava com o cacoete do sorriso alvar. Disse, entre outras coisas, que a sobrinha tinha ficado noiva. Sabe, comadre, noiva profissional, com aliança e tudo. Casal bonito, um amor! Só vendo! os dois na mesa, com um sorriso alvar, que até comovia a gente. Meu irmão não queria. Diz que o moço ganha pouco. Você sabe que o meu irmão sempre foi popético e bissoluto, mas amor firme vence tudo. 

- Popético o seu irmão, não? 

- Demais. O casamento da mais velha já foi contra a vontade dele. Os carros saíram da casa do avô... 

- Não será despótico? – eu perseguia aflita uma significação que me escapava. Marina limitou-se a erguer as sobrancelhas, sem se interromper. 

- ... agora está de dentro com o genro. Andam os dois de cama e mesa. Nem parece que estavam a ferro e fogo, um contra o outro, há pouco tempo. O Cândido até emprestou o dinheiro para o João levantar a buteca. 

- A butica, você quer dizer. 

- A buteca, comadre. Buteca. Você é surda? A buteca da casa. 

- Ah! Hipoteca... 

- Pois, buteca. Não é o que estou dizendo? 

Isso foi de outra vez. Agora Marina não quer nada com o sorriso. Puxei a conversa para as festas, os aniversários, os presentes. Para a festa de formatura, dia 19. 

- Você vai, não é? 

- Eu não. 

- Mas a sua menina se forma. Estaremos todos lá com um sorriso alvar. 

E aí levei um susto. Comadre Marina me olhou de esguelha e interpelou, com um arzinho irônico: 

- Sorriso alvar, que é isso comadre? Que besteira é essa?
 
E eu que pensei que tinha aprendido. Ai, vida!

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