domingo, 28 de abril de 2013

Duas palavras

Ruth Guimarães 

Quem escreve para quê, para quem? Para quando? Permitam-me transcrever parte de uma carta da cientista Marie Curie a sua sobrinha Hanna Szalay, a 13 de janeiro de 1913: 

“Na última primavera, minhas filhas fizeram uma criação de bicho-da-seda. Eu estava doente e, durante o repouso forçado, pude acompanhar a formação dos casulos. Isto me interessou enormemente. Aquelas lagartinhas tão ativas, tão conscienciosas, que trabalharam com tanta boa vontade e perseverança, realmente me impressionaram. Diante delas, senti-me em casa. Eu também era uma lagarta, embora bem menos organizada para o trabalho. Eu também sempre me voltara pacientemente, para um fim único, e o fazia sem ter a menor certeza de que lá estava o certo, mas sabendo que a vida é um instante, que nada deixa atrás de si, e que outras criaturas tudo concebem de modo diferente do meu. Se procedi assim é que qualquer coisa me obrigava a instruir meu casulo, ainda que lhe seja impossível terminá-lo – e sempre com o mesmo capricho. E, se não chega no fim da tarefa, morre sem se metamorfosear, isto é, - sem recompensa. 

Que cada um de nós, querida Hanna, fie o seu casulo, sem perguntar porquê, nem para que fim”. 

Sem perguntar, porém eu pergunto: Quem escreve, escreve para quê, afinal? Para obter honra e glória? Para poder dizer tudo que pensa? Para se aproximar do seu semelhante? Para tentar derrubar o muro que separa um ser de outro ser? Para apreender o sortilégio da vida, que de outro modo não alcançou? Para deixar impresso no mundo o traço da sua passagem? Para, terminado o fiar incessante do casulo, um dia emergir, surgir afinal, ente alado, leve, cujo ambiente é a amplidão, livre do cárcere que por si mesmo construiu e fechou. 

Então será para si mesmo que escreve quem escreve? 

Escreverá hoje, para hoje, que é quanto dura uma crônica de jornal? Para amanhã? Para daqui a um ano? Para daqui a uma década que é quanto dura, quem sabe? Um livro? Para daqui a séculos, como um Homero, um Shakespeare? Um Mateus? 

Não sei. Realmente não sei. Como não sei a intenção que tiveram todos esses e muitos outros, ao escreverem o que escreveram.

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