sábado, 27 de abril de 2013

Domingo Suburbano

Ruth Guimarães 

Domingo. Sol. Calor. Claridade. Criançada brincando na rua. Pelada no campinho. 

Domingo suburbano começa cedo, lá pelas sete da manhã, com algumas brigas nos quintais. É dia de operário estar em casa. Dia de moça lavar a cabeça, enrolar bobi nos cabelos e andar de chinelos. Todo o ressentimento represado numa semana inteira de bom comportamento e contenção, de espera nas filas e atraso na chuva e correria, e cabeça baixa diante do contramestre, estala à menor provocação em casa. Então as vozes alteradas enchem a manhã clara, trazendo caras curiosas aos portões e às janelas. Os portõezinhos ficam muito coloridos e de uns para outros as informações se trocam alvoroçadas. 

Lá para as dez principiam a chegar os parentes da cidade. Logo se os conhece por suas roupas bem talhadas, as cores, o calçado mais fino, e o ar. Um ar de passeio, um ar endomingado, parece que pegou ingenuidade neles. Vêm cheios de exclamações e risadas, ocupam a rua toda, voltam-se inteiramente uns para os outros, para indagar: não é mesmo? Não é isso mesmo? 

E parece que transbordam de contentamento. Alguns têm volks, outros um jipinho. Gostam de comer pêra dura às dentadas e caqui coração de boi, lambuzando os dedos. Vão inúmeras vezes à adega, assim chamado o depósito de bebidas que é pertinho, buscar vinhos aos garrafões, isto é, a zurrapa infecta que chamam de vinho, e com a qual o almoço ganha em comunicabilidade e animação. Partem com muita algazarra às quatro e meia. Acabadas as brigas e as visitas do domingo suburbano, como um grito à distância, como um eco. O eco firme das marteladas nas cumeeiras, os caibros e ripas desenhando xadrez contra o azul do céu, meio acinzentado, e sobre o outro xadrez das paredes de tijolo ainda sem reboco. 

A música esteve pela manhã, pam-pam, acompanhando os risos, as brigas, o coro báquico dos almoços macarronada e vinho, os estouros da número cinco nos jogos de várzea em campo aberto. Entrou sozinha, vencedora pela tarde serena. Os pica-paus humanos empoleirados nos tetos empunham os martelos na rítmica demonstração. Alguns, raros, vão noite a dentro, e lanternas brotarão no ar, em loteamentos onde a luz elétrica não chegou. (Geralmente o luar não colabora. A lua é alcoviteira de namorados, não se dá com trabalhador) Enquanto dia a fora, a ária dos martelos bate, há para ela um acompanhamento singular: o rumor dos caminhões carregados, ronronando pelas ruas. Muitos. Que fazem eles? Boa pergunta! Quem já viu um domingo suburbano sem mudanças? O dia todo elas passam, essas mudanças, em que os tarecos se amontoam num caminhão só, e levam de uma casinha de dois cômodos e cozinha, para outra de dois cômodos e cozinha, a cama do pobre e o caixote de panela do pobre. E enquanto nesse formigueiro, os homens que trabalham na semana se mudam no dia santificado, e enquanto o que martelou por conta do patrão de segunda a sábado martela por contra própria no domingo, não importam a inflação, nem a carestia, nem a vida brava, nem a politicagem, nem as malversações, nem as más intenções, nem o governo nem o desgoverno, São Paulo continua sendo a cidade que mais cresce no mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário