sábado, 27 de abril de 2013

De folhas de cebola

Ruth Guimarães 

De acordo com a lenda, e, em parte segundo as narrativas do Evangelho (como o conhecemos), São Pedro, o velho pescador Simão, era ignorante e cabeça dura. E relativamente a esse pobre personagem, o folclore ainda o trata pior. Correm histórias e histórias do bom chaveiro em que ele desempenha mesquinhos papéis. Mas, por sua fé, sua boa fé, sua ingênua confiança, sua bondade, e mais, por seu amor Àquele triste Deus arremessado do céu à derrisão e ao Calvário, mereceu o galardão e as alturas a que chegou. 

Popularmente diz-se que a mãe de São Pedro era avarenta e má, tão ruim, que, quando morreu, apesar do parentesco real com um dos grandes santos do céu, “assim” com Jesus, não pôde entrar no céu. Lá foi a triste ferver no caldeirão das almas perdidas. 

Caiu no inferno, dizem, não tem mais jeito não. Acabou. Até os poetas, que são gente de quimera, sabem disso. 

“Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”, ou qualquer outro aviso nesse sentido. E então pôs-se o filho a pedir a Deus que lhe salvasse a mãe. “Eu no céu e minha mãe no inferno. Tem dó, meu Bom Jesus. Não fica bem pra mim, nem pra nós.” 

Sabemos que ele era turrão. E tanto importunou o Mestre e o Pai que o Divino Arcano sentenciou: 

- Arre, diacho, que você não me dá sossego! Procure um gesto bom, um só que seja, solícito, solidário da sua mãe e nós vamos dar um jeitinho (devia ser um céu brasileiro). E toca o pessoal celeste a procurar um ato bom para a redenção da mãe do celestial porteiro. E tanto devassaram que acharam. Um dos membros da Legião chegou correndo para contar o seguinte: Estava a mãe do chefe lavando roupa no riacho, alguém deixou cair uma folha de cebola no carreiro das formigas. A mãe arredou a folha para as formigas passarem. Hosana ao que vem em nome do Senhor! Veio o céu em peso trazer em charola a folhinha, todos cantando. Entoaram as ave-marias, inclusive a de Gounot, a salve Rainha, o salmo 23, e muitas músicas de gospel. São Miguel Arcanjo que é da área, apareceu para pesar a folhinha de cebola. Pesou tanto e enrijeceu tanto, que por ela iria subir ao céu a pecadora. Amarraram uma ponta de cebola no céu, outra na outra zona do inferno em que residia a mãe de São Pedro. Esta, avisada, logo agarrou a cebolinha e foi sendo arrastada para cima. E flutuava a caminho do céu, feliz da vida. 

Não me venham falar de impossibilidades, que do lado de cima ninguém entende disso. 

Lá embaixo, algumas almas que passeavam, sem muito o que fazer, e pelo caminho, algumas almas flutuantes que dizem que não podem ficar no inferno, mas também não têm crédito suficiente para entrarem no céu, foram vendo aquele movimento e indaga daqui, indaga dali, se deram conta do assunto e correram a pegar carona na folhinha mágica de cebola. Essas não tinham filhos amigos do chefe. 

E eram cachos de almas perdidas, penduradas na tal folhinha milagrosa. 

A mãe – do Pedro – vendo aquilo, tremeu. Tremeu e temeu. Não fosse a folha arrebentar! E pôs-se a chutar as almas que chegavam mais perto, ao mesmo tempo em que vociferava: O filho é meu. A folha é condução minha. Ao peso de tanta maldade, ou se preferirem, de tanto temor, a folha arrebentou, as almas tornaram a mergulhar no seu inferno, e com eles a mãe de São Pedro. 

Vamos ter que fazer alguma coisa agora, para não termos de confiar em folhas de cebola. É agora, enquanto é tempo. Já nos avisava o Eclesiastes, não descuidemos do tempo: 

Há tempo de rir, e tempo de chorar, o tempo de esquecer e o tempo de lembrar. O tempo de saber e o tempo de suspeitar. O tempo de ser sindicalista e o tempo de ser presidente. O tempo de aguentar e o tempo de votar.

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