sábado, 27 de abril de 2013

De casamentos e piqueniques

Ruth Guimarães

Dizem que não mais se ama como antigamente. 

Onde aqueles acentos desesperados, como os de Beethoven: Sou eternamente teu, tu és eternamente minha, somos eternamente nós dois. Claro que havia aqueles casais que não se davam. E havia noiva que no dia do casamento, saía na garupa do cavalo do antigo namorado, vetado pelos pais dele ou dela. De uma certa maneira, ninguém casava com quem queria. Contra essa liberdade de escolha atuavam os pais e a sociedade em geral. Eis que de repente, não mais que de repente, liberdade total. A sociedade fecha os olhos. Aceita-se o casamento de mulher de setenta anos com rapazes de vinte e cinco (o contrário já era aceito há muito tempo. Criou-se até um provérbio, essas gotas de sabedoria popular: para bode velho, broto novo, para definir a situação desequilibrada de um idoso que levava ao altar a menina que podia ser sua neta). A liberdade vai mais além, e já estamos às voltas com casamentos entre criaturas do mesmo sexo. Do fundo do século ainda se ouve a voz lancinante, dirigindo-se à amada Imortal: Meu anjo, meu tudo, meu próprio Eu!. As frases que Antonia Brentano não leu. 

Muito bem! Os tempos mudaram. Oh! Tempos, oh! Costumes. Não há nada que se possa fazer, contra a correnteza, que é, vamos dizer, como o destino. Assim como o rio não volta, a nossa vida não caminha para trás. 

O que mais se ouve falar é que a vida mudou. Que os casamentos não são mais como antigamente. Vamos começar pela cerimônia. Desiguais são os níveis de quem casa. O casamento em si, não. É o mesmo passeio pela nave da igreja, a noiva de branco, vestida com uns modelos que Deus nos defenda. O mesmo tapete gasto que a igreja aluga, os mesmos enfeites de fita branca de cetim e de lírios, amarrados nos bancos da igreja. A mesma ave-maria, esganiçada, ou tocada em violino, a noiva que chega atrasada, para gozar a entrada triunfal, que hoje ela é a Cinderela, e os mesmos comentários entre os assistentes. E a conversa do padre, as lágrimas da mãe, tudo igual. Os noivos recebem os cumprimentos e depois é a recepção, a gente fecha os olhos e já viu isso “trocentas” vezes. 

A vida a dois tem alguma divergência devida ao fator época. A mulher continua mandando como sempre mandou. E o fiel maridinho escapulindo como os maridinhos sempre escapuliram. 

Onde a diferença? Ah! Uma grande diferença. Hoje a gente pode descasar. Hoje a mulher trabalha, não precisa ficar mais às custas e na dependência do marido. Em termos. 

O casamento que passou de ritual a espetáculo e isso não é de hoje, pode então ser desfeito. Muito bem! 

Compreendo que se pode estar preso a tudo, ao subemprego, à posição social, aos bancos, à opinião dos amigos, às nossas próprias convicções, menos ao próprio casamento. É assim mesmo. Assim se se vive e assim se desvive. E assim se convive. 

Bela coisa, o casamento! Ali vão dois pombinhos, com o firme propósito de conseguirem ir até o fim de um sonho e de vencerem as agruras da vida, juntamente, de mãos dadas, com a pessoa escolhida, hoje mais escolhida do que nunca. Acreditam que estão certas: o homem da minha vida, a mulher da minha vida. São essas expressões que conduzem à vitória (mas soam ridículas, para quem está de fora). 

Alguns vão ao casamento como quem vai a um piquenique. Se não der certo... Pois é. E aí, no caso, descasar é uma vitória. A última conquista dos tempos modernos e a mais difícil. Que aconteceu contra as convicções dos mais velhos, dos enquistados, dos retrógrados. É alforria e afirmação. Somente que acontece uma coisa muito curiosa. O arrependido acaba com o casamento e consigo mesmo, pelo menos temporariamente. É uma espécie de virose que resulta em depressão, angústia, uma tristeza infinita, um arrependimento, um não saber um não se conformar... quando o contrário é o que deveria ocorrer, ao se livrar cada um de um trambolho. 

As pessoas são mesmo inconsideradas e contraditórias, mas o que é notável é que a sociedade parece achar natural essa atitude. Já ouvi comentários: “Ela tem razão de estar assim, coitada! Está se separando. E até existem conselheiros matrimoniais, para ajudarem a superar essa fase, quando se sabe que em briga de marido e mulher não se deve meter a colher. 

Vamos supor e simular a volta do piquenique: 

Faz-se o chá, com presentes de todos e fofocas murmuradas. O cabeleireiro terá bastante trabalho, pois não somente as mocinhas, mas principalmente as peruas, algumas já divorciadas, arrumarão as melenas, a fim de parecerem artisticamente despenteadas. Estaríamos lindamente fashions, e se alguém nos perguntar porquê assim nos enfeitamos, e onde é a festa, diremos que vamos assim com essa roupa e esse ar de festa ao descasamento de João e Maria. E haverá aquela linda atividade de atirar o buquê para o grupo das futuras candidatas a esse festejo. Aquela que o conseguir segurar será a próxima candidata a ex-noiva. 

Pois é assim. Quanto a mim, eu acreditarei na nova fórmula de casar e de viver, se alguém frivolamente, alegremente, de olhos enxutos e alma leve me convidar e aos amigos, para a festa do seu descasamento.

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