sábado, 27 de abril de 2013

Das cabras ao Al-corão

Ruth Guimarães 

A descoberta do café como planta alimentícia ou pelo menos bebível prende-se a uma série de lendas. É um pouco difícil pra gente pensar que alguém muito mais inteligente do que nós teve a idéia de apanhar alguns grãos, torrá-los e preparar uma bebida, beberagem, assim, tão estimulante, perfumada e saborosa, sem que os próprios anjos ensinassem. 

Caipira diz que fruta que macaco come a gente também pode comer. Somente que macaco não deve estar incluído nessa história de café. Macaco não torra, não ferve, nem côa, manda tudo para o estômago in natura. Não podemos atribuir aos macacos uma iniciativa que o homem não teve. 

Consta que um pastor abissínio observou que suas cabras depois de comerem as folhas de certa erva, ficavam tão excitadas e espinoteantes como não as via nem as vira jamais. Foi mastigar as tais folhas, eram duras, rijas, ásperas, com um gosto que Alá livrasse os seguidores do profeta. Então experimentou torrar as folhas e os grãos e a bebida resultante foi esse nosso café. A lenda não conta se ele espinoteou e berrou, mas deve ter se dado bem, pois o gosto da bebida se espalhou pelo mundo. 

Uma variante dessa lenda conta que vários rebanhos, em regiões diversas, procediam de maneira diferente uns de outros, e ficou estabelecido que a vivacidade de algumas cabras se devia a certa planta. Mastigada ao natural, ou preparada em infusão, revelou-se altamente estimulante. 

Diz-se que Maomé tinha adeptos fervorosos, mas muito dorminhocos. Às tantas, em meio às agradáveis elucubrações do Alcorão, o rezador rezava sozinho, porque os seus ouvintes pegavam no sono. O Profeta compadecido dos seguidores apareceu a um deles e o ensinou a preparar uma droga com o pó torrado dos frutos de certa planta. E foram então rezas e mais rezas. Recitavam-se às centenas os versículos do Corão. E nada de sono. Bênçãos de Alá para a bem aquinhoada planta. 

Nos meados do século XV, no Iêmen, Arábia Feliz, um xeique chamado Shead-eddin Dhabani, homem de grande sabedoria, muito piedoso, jurisconsulto de nomeada e mufti de Aden, conheceu o café nas fraldas dos montes abissínios e lhe encontrou três grandíssimas qualidades: favorecia a digestão, alegrava o espírito e afastava o sono: E nunca mais ninguém cochilou em meio às orações. 

O café neste momento está em baixa. Nos milênios anteriores procurava-se não dormir. Hoje o que se procura é o bom sono que refaz as forças combalidas e afasta as ameaças de depressão. E outras dormências. Maomé em nossa época apareceria para receitar chá de alface ou o travesseiro de dormideira.

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