sábado, 27 de abril de 2013

Da poesia

Ruth Guimarães 

Pois é como eu ia dizendo. A “Banda” toda a gente canta e trauteia na rua, nãnãnã, nãnã, nãnã... distraidamente , enquanto pensa e enquanto passa. Poesia do cotidiano, a sua, nada de muitos vôos, nem de amor desesperado ou desesperançado. Apenas a banda que passa, a menina na janela, a excitada curiosidade da cidade pequena. A letra é de poeta de agora, cheia do profundo desencanto muito moderno de quem em nada crê, a não ser que tudo passa. Afirma que um gosto, depois que acaba, deixa o desgosto maior, mas afinar não altera em nada, a miserável da vida (é o Chico Buarque que acha isso, eu não). 

Assim, à moda do velho pessimista Machado, que dizia: um relâmpago deixa a escuridão mais escura. No entanto, o moço Chico tem um pessimismo quase sorridente, deve ter tido na infância a vivência dessas bandinhas deliciosas, que sacodem de quando em quando, nas madrugadas das festas do padroeiro, as cidadezinhas provincianas, normalmente muito paradas e muito quietas. E porque é poeta, e porque adolesce nessas mágoas de amor mal-aventurado, gostosas mágoas! (ou adolescia há muito pouco tempo) e porque tem dessas experiências interiores e interioranas, consegue o moço Chico fazer vibrar o provinciano que dorme em cada um de nós. Ora, direis! Ouvir a “Banda”... e eu vós direi. Ouvir e ver. E cantar. Um dia destes, no ônibus, dois “coroas” conversavam meio perplexos, mas com uma entonação indisfarçável de triunfo. Ouvi falar na tal de bossa nova, e não sei mais o que - comentava um deles - e o que tira prêmio é a velha marcha (você se lembra de “Teu cabelo não nega”?) com assunto batido, fora de moda... Ora essa! 

Parece afinal que ficou provada a importância de ser autêntico. Os ritmos que nos tocam são ainda os que vêm em seguimento a uma tradição que parece extinta, mas felizmente continua. 

De todas as receitas de salvação, uma só nos dá esperança: a Poesia. Somente por ela nos salvaremos. Os poetas românticos não desdenharam de escrever lindas letras para as canções populares. Castro Alves ainda nos fala, no Gondoleiro do Amor, que “os seus olhos são negros, negros como as noites sem luar”, à maneira romântica de poetizar a mulher. Fagundes Varela também freqüentou a canção. Noel, o filosofo, era poeta. Vinicius de Morais desceu dos livros e alcançou o povo, nesses sambas inimitáveis que Baden musicou. Agora, e era disto que eu queria falar desde o começo, estão ai, novamente, os poetas. Os poetas que compareceram ao Festival da Música Popular Brasileira. Que puseram formosas letras em músicas, para o Jair cantar, e a Elis e a Elza e a Nara. O que tira do atoleiro da vulgaridade o povo, e facilita a tarefa dos educadores. Pois, uma vez que a Poesia, que muitos deram por morta, voltou à música popular, de onde nunca, jamais, deveria ter-se ausentado, estamos salvos, afinal.

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