Ruth Guimarães
Chegamos, fomos procurar Paixão Cortes, ele trabalha no Departamento da Produção animal, num bairro de Porto Alegre, que se chama, lindamente, Menino Deus.
Paixão é direitinho um personagem de Erico Veríssimo, não do “Presidente”, nem do “Embaixador”, mas um coronelão daqueles ásperos, machão, brabo até ali, moreno, grandalhão, olho preto relumiando, e uma bigodeira!...
Esse o tipo físico, pois Paixão é de uma delicadeza tão inesperada naquele corpanzil, que chega a ser comovente. A visita se prendia à eterna preocupação do viajante, de encontrar alguma coisa nova, com que se rejubilem alma e coração. Ou quem sabe se não se trata de coisa nova, mas antiga por demais, anterior à falsificação da vida pelo homem moderno.
Queríamos ver um gaúcho, não de bombachas e pala, nem com aquela indumentária toda, que na nos parece extravagante, não precisava. Mas na lida costumeira, em ambiente natural, com o boi, o cavalo, a carreta, e à noite, no galpão, tomando o chimarrão e contando lorotas. Isto. Mas mesmo isto não era possível. Como Paixão explicou pesarosamente. Porque o Rio Grande vai perdendo rapidamente as características devidas a vaquejadas e a um tipo especial de criação e lida, e que num raio de, pelo menos duzentos e sessenta quilômetros de Porto Alegre, não se veria um tipo autêntico. Que nas fazendas das fronteiras, talvez, mas não com aquele pitoresco, tu me entendes. As mulheres, que assimilam com mais rapidez a civilização já devem estar por lá na minissaia. Nem dança de fita, nem pezinho. Nem rancheira. Talvez o galpão e as histórias, algumas ouvidas na televisão.
Vejamos o que se pode arranjar.
Foi ao telefone, comunicou-se com meio mundo, arranjou um espetáculo. Um “show”. Mas não é isso que queremos, Paixão. Gaúchos, no palco, em espetáculos, estilizados, excelentes, já vimos no Rio e em São Paulo. E ele impávido: recebi proposta de uns capitalistas que vão construir um rancho para turistas. Teremos tudo lá, a duas horas de Porto Alegre, rodeios, danças típicas, os gaúchos a caráter, tudo. Eu dirigirei a parte folclórica, pois que há vinte anos percorro a região mais tradicional e estou familiarizado. Olhe, tenho apontamentos para um livro... mas não é isto, Paixão, não é isto.
Devo dizer que Paixão Cortes, folclorista de renome, tem alguns livros publicados, e parece inacreditável ouvi-lo falar tão tranquilamente nessas contrafações. Não é isto. Que pena ir ao Rio Grande e não encontrar genuíno, só esta São Paulo em ponto menor. E de repente vejo: o sonho mirabolante, dois mil turistas, e gaúchos e suas bombachas e seus cavalos, o espetáculo em grande, a terra linda de se mostrar, e vejo os olhos ternos de Paixão, violento, apaixonado, carinhoso, sonhador, e a sua fala, contando histórias de galpão, e descubro que vi sim, um gaúcho, onde eu ia procurá-lo, se está aqui tão perto e tão autêntico?
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