Ruth Guimarães
Entrou um ladrão no quintal do Sr. Domingos Carvalho, no Alto da Boa Vista, na cidade de Cachoeira Paulista. Depois de roubar uma galinha, uma chave inglesa e um jogo de chaves de boca, deixou o seguinte bilhete:
“Eu não sou ladrão, mas por causa de procurar emprego e não encontrar, eu vim entrar nesta casa, pois faz três dias que eu procuro emprego e não acho, e morrer de fome eu não vou. Sr. proprietário, peço muito desculpa de eu fazer isso. Eu nunca roubei, essa é a 1ª vez.
Daqui a dez anos eu venho pagar este prejuízo. Desculpe. Atenciosamente
Ass. Orlando Mateus de Alencar”
Da necessidade surge, de um lado, a tolerância. Ah! coitado, tem família, os filhos passando fome, não há um cristão que lhe dê emprego. Da necessidade surge, por outro lado, a anodinia. Da primeira vez o ladrão tem suador, medo de ser apanhado, de repente o dono da casa tem uma espingarda... Mas, tanto vai o pote à bica... Do furto ao roubo, que é a situação de ameaça à pessoa, até o assalto, que é roubo com lesão corporal, a violência segue num crescendo insuportável.
O caminho é eivado de espinhos. Lá está uma lista de agressões à pessoa do outro. O constrangimento do chefe malcriado sobre a funcionária pobre que depende do salário. O escárnio do colega de trabalho sobre o companheiro, porque é anão, porque é preto, porque é analfabeto, porque é qualquer coisa que não devia ter sido. Isto também é assalto, como o calote também o é, como a venda de produtos estragados, como a pirataria, como a mentira.
A cada vez os assaltos aumentam em crueldade. Mata-se por quase nada. Nunca há necessidade de matar, por isso nem dá pra falar que hoje em dia se mata sem necessidade. Desaparece o respeito para com as posses, em seguida virá a falta de respeito para com a vida.
Dia desses apareceu na porta da minha chácara uma senhora. Conhecida, de vez em quando trazia um artesanato, um bordado, para vender. Dessa vez, vinha explicar que o filho de 17 anos tinha “limpado” a casa pra arranjar dinheiro. Levou o aparelho de DVD novinho, eletrodomésticos, o que pôde. Com certeza furtava a mãe para comprar drogas. E ela, descoroçoada, apelava para um empréstimo, coisa pouca, de trezentos reais, para uma comprinha, porque não tinha mais nada de comer em casa. Para onde vai esse moço, que atira a própria família na fome e na mendicância?
Certos escritores de romances policiais inventam ladrões bem-humorados e muito apreciados. Assim Arsene Lupin, Simenon Maigret, Robin Hood e outros. Foi a romantização do crime. Um dado cultural a ser acrescido no emaranhado social dos delitos. Mas o crime não é culpa da literatura. No entanto, é certamente culpa da falta de educação.
A distância que existe entre o moço que rouba a mãe e o pé-de-pano que invade o quintal do seu Domingos e deixa um bilhete está apenas na oportunidade. A ocasião faz o criminoso, se a base educacional é fraca ou não existe. Humberto de Campos dizia assim: “a ocasião não faz o ladrão, mas revela o ladrão”.
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