Ruth Guimarães
Chegou o Romantismo com uma avaliação sentimental do homem mas também eivado de idéias de liberdade, completamente inadequadas para nós, eis que vinham de países europeus, sem a experiência de escravos negros no seu componente étnico e social. Palavras altissonantes como Igualdade, Liberdade e Fraternidade era apenas palavras sem respaldo de vivência.
E como éramos nacionalistas, como o era Victor Hugo, martelando aquela formidanda história de França, a queda da Bastilha, a Vendéia, a sublevação de um povo, lutando pela libertação, tivemos um nacionalismo, deito dos falsos indígenas de Alencar e mais a falsa linguagem desses brasileiros da primeira hora; seguiu-se uma glorificação falsa e sentimental do negro e mais ainda da negra. Todos nós choramos com as desditas da escrava Isaura, por mais incrível que seja um tratamento desses e por mais falsas as idéias que veiculam num pais que devia estar preocupado com a redenção do negro, era branca de pele e costumes. Desumano era somente o feitor, perseguidor da pobre linda mucama. Tudo muito benevolente e paternal. É o branco desempenhando um papel de herói, de magnânimo, trazendo para si, para a fraternidade branca a multa bonita, que parece tanto com uma negra que ninguém percebe esse fato. É o branco que desiste de um reino, o reino da branquidade, para desposar a mulata filha espúria de um pai espúrio que nem sequer lhe deu a liberdade. Mas a moça é branca. Ao mesmo tempo que isto se passa no tempo diegético, no romance burilado por Bernardo Guimarães, o mulato, de pele clara e olhos verdes, Gonçalves Dias era rechaçado pelos pais da amada. E ele se queixa de que não podia mudar cada gota de seu sangue para contentá-los. Molhando a pena em suas lagrimas, escreve o magnífico poema “Ainda uma vez, adeus!”.
Ora, que importavam esses casos reais?! Defendia-se o escravo, falando de sua bondade e resignação; de como conquistavam a benevolência dos senhores. Da harmoniosa convivência entre duas raças, de compreensão e tudo o mais. Não precisaríamos de mais nada: tínhamos o herói, o Escravo Fiel e o Negro Triste. A palavra banzo entrou no vocabulário dos românticos. Essa altitude teve ressonâncias. Olavo Bilac nos definiria mais tarde como “flor amorosa de três raças tristes.”
Luis Delfino, saudosista, criou um tipo bondoso, o Pai José. Pai José frequentava as histórias de cativeiro.
No folclore brasileiro, Pai João está presente nas histórias fesceninas. Disto falaremos a seu tempo.
Nos Estados Unidos, foi o romance “A Cabana do Pai Tomás” que marcou presença, lido, comentado, adorado, provocando lagrimas do mundo inteiro. O nosso Pai João, o do romance e o da poesia, não o do folclore, que tinha outra dimensão, o nosso Pai João não ficou devendo nada ao Pai Tomás. Sabe-se que tudo isso não mudou o status do negro, não lhe aliviou o sofrimento, nem o incentivo á luta. Era tudo muito frouxo muito doce, muito acomodado. Escorregava-se no enjoativo mel da bondade e da meiguice. Mas, nos corações não havia doçura, nas cabeças as idéias continuavam estratificadas, conservadoras, múmias.
Quanto ao papel social do negro, como realidade de gente, silencio absoluto.
E então compareceu Castro Alves, com os versos candentes de “O Navio Negreiro”, primeiro poeta social, apostrofando lindamente Deus:
“Em que mar, em que terra Tu Te escondes? Onde estás, Senhor Deus”.
Mas, talvez porque xingasse tão bonito, e zurzisse os pecados abomináveis dos brancos cruéis, com tanta arrogância, prestava-se mais atenção á beleza dos poemas que á sublimidade das idéias e á fealdade da escravidão.
O Romantismo se constituiu basicamente no despertar de uma consciência nacional. Numa primeira fase surgiu a exaltação da natureza, observação e analise de tipos e costumes característicos, predominantes rurais e sertanistas, evoluindo para o indianismo de José de Alencar e ainda para as tentativas de criação de um estilo com peculiaridades sintáticas e vocabulares da linguagem brasileira.
No último grupo se destaca a figura ímpar de Castro Alves. Outros: Tobias Barreto, José do Patrocínio, Pedro Luis Pereira de Souza, Pedro Américo. As tendências dessa fase possibilitaram o surgimento do clima de efervescência criadora, que permitiu o nascimento de uma literatura brasileira no conteúdo e na forma. A última forma no estilo de época se diferencia das demais fases pela intensa preocupação político social. Seus epígonos tomavam partido e entravam decididamente na luta pró-abolição. Com influencia do francês Victor Hugo, a poesia tomou feição épica, tornou-se oratória, revolucionária, liberal, e social. Chamou-se a esse estilo Condoreirismo.
Castro Alves, nascido em 1847, pôs a serviço do abolicionismo uma coragem desassombrada. Era ele próprio quem clamava: “Oh! maldição ao poeta que foge, falso profeta, nos dias de provação!”
Chamado o Poeta dos Escravos, combateu com pena. Escreveu !Gonzaga ou a Revolução de Minas”, drama liberal e anti-escravagista, “Vozes d’Àfrica”, e os poemas “Navio Negreiro” e “OS Escravos”.
Símbolo sobre símbolo, Castro Alves clama a desgraça da África, devastada, os filhos arrancados de seus braços e postos a ferros me cativeiro medonho. Seria castigo pelo crime nefando de Caim?
Ocorrem-me todas essas considerações, eis que se apresenta os mal falado treze de maio. Para daqui a alguns dias, e não é nem benvindo nem festejado, nem tolerado, nem aceito. Parece-me que há aí aquela espécie de missa brasileira, em que o mais saído vai na frente dizendo a jaculatória, e a multidão atrás vai respondendo amém.
Liberdade é liberdade. Tom Maia, meu amigo promotor costumava trabalhar do modo mais dedicado, para conseguir que alguns presos merecedores de redução de pena saíssem livres, indultados, sempre que possível. (Os bons, os caráter, vitimas do destino e não esses de dois sextos da pena, bom comportamento e outras firulas).
Porque, dizia ele – um dia de liberdade é um dia de liberdade.
Fosse lá pelo que fosse, o treze de maio veio antes. Quinze minutos escapando da servidão, são quinze minutos de liberdade, Abençoada seja a Redentora, por ter antecipado de quinze minutos a liberdade do negro. Seja lá por que motivo tenha sido.
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