Ruth Guimarães
Fazendeirada
do Vale do Paraíba se passou da vacada para a criação e exploração do peixe,
nação de bicho tranqüilo que consegue por si e para si o de-comer. E se vira muito bem lá na sua casa aquática,
sem precisar de cuidados, nem de cercas. Peixe não foge, não tem bicheiras, não consome capim nem milho. Ninguém
tira leite de peixe. Fica lá mesmo, não
bufa nem berra, esperando em silêncio a tal de pesca artesanal. Também não é necessário providenciar o
cruzamento deles. Eles fazem tudo
sozinhos.
Somente
que os peixes do Paraíba não são mais os mesmos. Hoje se ouve falar em tilápia, carpas, nomes
até então jamais pronunciados nas barrancas do Paraíba.
Então,
com essa mudança, mudo-me também, da crônica que trata da zootecnia da vacada,
para a piscicultura.
A fauna
paraibana deve ser igual, ou devia ser igual, à da maioria dos rios
paulistas. O mais freqüente dos seus
peixes, o mais apreciado é a traíra de que todos já falamos. A vulgar, a familiar, a gostosa traíra. E mais conhecido e apreciado ainda é o
popular lambari, entrada em banquete de pobre, mistura dos dias magros,
tira-gosto da cachacinha.
E depois,
por ordem de importância, de freqüência e de gostosura. Não tem escama. É liso, de barriga branca e costas
amarelo-claro, tirando para o cinzento azulado, perto da cabeça. Terá em média dois palmos de
comprimento. E o gosto, ah! O gosto, meu
Deus! Tem carne branca, macia, menos firme que a da traíra e mais fofa do que a
do mandi. Satisfaz ao paladar e ao
tato. Os dentes encontram nela a
resistência adequada e a língua se compraz ao torneá-la. Frita é uma delícia. Um cozido de bagre, acompanhado de pirão
acebolado é o 34º. momento feliz. Aquele
que Li Yutang esqueceu.
Séria
concorrente da traíra, na preferência dos gurmês caboclos, é a piaba. Até o nome dela é largo e enche a boca. É um peixe gordo, chato, branco, de boca
redonda e escamas graúdas. Tem um palmo
e meio de longo, e meio de través. Quando maior é chamado piabanha.
O mandi é
um peixinho azulado, comprido, magro, dentes em serra, com uns filamentos que
partem da cabeça, e cada um deles capaz de espetar fundo e doído.
O cascudo
é pequeno, de um palmo, com uma couraça cor de lama, uma carapaça feita de
retalhos, como o das tartarugas. O coração
do pescador se confrange ao vê-lo. Que
será aquilo? Peixe? Sapo? É um monstrengo que demora pra morrer e se agita, por
longo tempo, fora d’água, as nadadeiras e o rabo. Feio como o pecado. Mas, embaixo da couraça, que delícia de carne
branca e macia! Um cozido de cascudos é iguaria dos deuses.
Corimbatá
é o nome comum de duas espécies, de um amarelo champanhe, ambos chatos, quase
que só de frente.
Tínhamos
o surubi, um grande peixe malhado, de couro, alguns atingiam os quinze quilos.
Nesta
resenha não cabem dois pobres-diabos: o rabo-azedo e o cachorro-magro. Isso ninguém come.
Foto de Botelho Netto |
E vamos
parar de falar de peixes, porque, com esse sistema de chuvas, de inverno quente
e de seca no sul, daqui a pouco vamos começar as crônicas assim: Naquele tempo
em que havia água no Paraíba...
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