sexta-feira, 26 de abril de 2013

Conversa pra pescador


Ruth Guimarães

Fazendeirada do Vale do Paraíba se passou da vacada para a criação e exploração do peixe, nação de bicho tranqüilo que consegue por si e para si o de-comer.  E se vira muito bem lá na sua casa aquática, sem precisar de cuidados, nem de cercas. Peixe não foge, não tem bicheiras, não consome capim nem milho. Ninguém tira leite de peixe. Fica lá mesmo, não bufa nem berra, esperando em silêncio a tal de pesca artesanal. Também não é necessário providenciar o cruzamento deles. Eles fazem tudo sozinhos.
Somente que os peixes do Paraíba não são mais os mesmos. Hoje se ouve falar em tilápia, carpas, nomes até então jamais pronunciados nas barrancas do Paraíba.
Então, com essa mudança, mudo-me também, da crônica que trata da zootecnia da vacada, para a piscicultura.
A fauna paraibana deve ser igual, ou devia ser igual, à da maioria dos rios paulistas.  O mais freqüente dos seus peixes, o mais apreciado é a traíra de que todos já falamos. A vulgar, a familiar, a gostosa traíra. E mais conhecido e apreciado ainda é o popular lambari, entrada em banquete de pobre, mistura dos dias magros, tira-gosto da cachacinha.
E depois, por ordem de importância, de freqüência e de gostosura. Não tem escama. É liso, de barriga branca e costas amarelo-claro, tirando para o cinzento azulado, perto da cabeça. Terá em média dois palmos de comprimento.  E o gosto, ah! O gosto, meu Deus! Tem carne branca, macia, menos firme que a da traíra e mais fofa do que a do mandi. Satisfaz ao paladar e ao tato. Os dentes encontram nela a resistência adequada e a língua se compraz ao torneá-la.  Frita é uma delícia. Um cozido de bagre, acompanhado de pirão acebolado é o 34º. momento feliz. Aquele que Li Yutang  esqueceu.
Séria concorrente da traíra, na preferência dos gurmês caboclos, é a piaba.  Até o nome dela é largo e enche a boca. É um peixe gordo, chato, branco, de boca redonda e escamas graúdas.  Tem um palmo e meio de longo, e meio de través. Quando maior é chamado piabanha.
O mandi é um peixinho azulado, comprido, magro, dentes em serra, com uns filamentos que partem da cabeça, e cada um deles capaz de espetar fundo e doído.
O cascudo é pequeno, de um palmo, com uma couraça cor de lama, uma carapaça feita de retalhos, como o das tartarugas. O coração do pescador se confrange ao vê-lo. Que será aquilo? Peixe? Sapo? É um monstrengo que demora pra morrer e se agita, por longo tempo, fora d’água, as nadadeiras e o rabo. Feio como o pecado. Mas, embaixo da couraça, que delícia de carne branca e macia! Um cozido de cascudos é iguaria dos deuses.
Corimbatá é o nome comum de duas espécies, de um amarelo champanhe, ambos chatos, quase que só de frente.
Tínhamos o surubi, um grande peixe malhado, de couro, alguns atingiam os quinze quilos.
Nesta resenha não cabem dois pobres-diabos: o rabo-azedo e o cachorro-magro.  Isso ninguém come.

Botelho Netto
Foto de Botelho Netto
E vamos parar de falar de peixes, porque, com esse sistema de chuvas, de inverno quente e de seca no sul, daqui a pouco vamos começar as crônicas assim: Naquele tempo em que havia água no Paraíba...



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