Ruth Guimarães
Dona Marocas se levantou e foi cedinho ao mercado. Evidentemente, não estava preparada para o que ia acontecer. O que lhe atraiu a atenção, logo, foi uma banca dos fundos, onde já era primavera. Entre as prosaicas pilhas de caixotes, atrás de esteiras e mudas, junto a montes de tomate e couve-flor, aquelas orquídeas, de um esplendor de tirar a respiração. Bem roxas, no centro, esmaecendo em lilás para as pontas, e terminando num branco lavado que fugia para o azul; um branco de alvorada, de névoa, um branco de espuma sobre glaucas ondas. Lembrava cachoeira entre pedras, sal, sombra, sol, suavidades. E ela estacou, tomada de assombro. Lindeza assim nunca vira. Nem em São Paulo nem no Rio, nem nas mais aristocráticas floriculturas, de flores valorizadas como jóias, em estojos de veludo negro, ou sobre salvas de cristal; e entre avencas e sob aljôfar. E as luzes, meu Deus! e os laços de cetim macio! E encerradas em plásticos translúcidos. Não. Nunca vira nada assim. Desapareceram os caixotes, os tomates, as couves, as rapaduras, ficou só a rainha orquídea, alta e magnífica.
Foto de Botelho Netto |
Dona Marocas se aproximou. As flores se curvaram num cumprimento gentil. Perguntou o preço. Queria ficar com todas, pois não. Muito lindas. Muito raras. Não são aqui de Lorena, pois não? De onde vieram? A mulher fez um murmúrio misterioso: A senhora não conta para ninguém? Pois o meu marido pega a canoa, desce o Paraíba, e, numa fazenda, na entrada de Cachoeira, colhe essas belezas. Lá parasita é mato. Dona Marocas olhou firme para a mulher, tentando recuperar-se do novo choque. Fazenda perto de Cachoeira, não é? Tem uma plantação imensa de arroz, boiada holandesa... Sei. E aí destemperou. Sua ladra! Sua ordinária! Roubando as minhas orquídeas! E eu aqui comprando as MINHAS orquídeas!
Agora, agora mesmo em setembro, dos claros dias e das floradas nos campos, é o tempo das orquídeas. As matas das da fazenda ficam de uma formosura dolorida. “Jardim”, é chamada a fazenda e com razão chamada. Lá estão as catléias brancas, pincelando de sol a escureza portentosa dos troncos. E os chuveiros-de-ouro cascateantes. E aquelas flores de rajas cor-de-terra em fundo de ouro, pungente de beleza. E a viva mancha vermelha com que uma delas decora a galharia. E a corola de chama de uma outra, aberta ao beijo das abelhas zumbidoras, e aberta para a luz; e luz do sol ela mesma, vermelha e esplendorosa. Como que o mato enlouqueceu e arrebentou em riso. Ao vento, o crivo do sol dança tuiste no chão. Ai!
Ai! Que é bonito demais!
Foto de Botelho Netto |
Gente, vamos roubar parasita no “Jardim”?
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