Ruth Guimarães
Passou o tempo das Cinzas, ninguém reparou, ninguém se submeteu àquelas práticas suscitadoras de humildade, conforme a palavra grave do antigo Livro: “lembra-te, homem, que és pó e em pó se tornará!...”
O que acrescentar ao “Memento Homo?”. Que palavras dirão mais do que o que foi dito? Já chegamos à conclusão, se nos convencermos de que somos perecíveis. Que o que amadurece apodrece, que o que sobe é obrigado a cair, que o que nasce, nasce para morrer. Mas dói o poeta e secundou: “Lembra-te também que és luz e luz tornarás a ser. Porque o pó e a luz nasceriam no mesmo dia e da mesma semente.”
A quaresma veio e se foi, e ninguém suspeitou sequer que ela esteve aí. E da páscoa se lembram somente porque o comércio não nos deixa esquecer de comprar os ovos de chocolate. Nesta nossa terra de famintos tudo acaba em comida.
Foto de Botelho Netto |
Entrar na igreja nas quaresmas de antanho era fugir para um reino místico, assombrado, penumbroso, entre negro e roco, num silêncio de catacumba. Aqueles conhecidos como santos, nos altares, eram formas anônimas, caladas, escondidas nos nichos silenciosos. A linguagem era a da confissão e da penitência. A alegria estava banida para sempre. E a confiança idem. E os santos, despidos de suas atribuições, tão desvalidos sem a procura dos fiéis! É certo que nesses tempos ninguém vai procurar Santo Antônio, para convencê-lo a patrocinar casamentos. Quaresma é trégua. Santa Ria dos Impossíveis não deverá favorecer milagres, numa hora destas de tanta tribulação. Pausa no peditório a São Judas Tadeu, para que resolva aqueles casos difíceis de falta de dinheiro, sem ter onde buscá-lo e de contas antigas e SPC, que isso não havia em vida do prestimoso santo, padroeiro dos inadimplentes, novo movo dos caloteiros. Quem se lembra de Santa Bárbara?
E não é hora, ah, não é hora de queimar palha benta, e bem precisados de auxílio estamos, com tanta enchente, tantos raios e trovões e água brava, e tanto granizo, e tanta onda brava! E nem se chama Santa Luzia a ajudar a tirar cisco no olho, ela com aqueles olhos magníficos, brotados no rosto jovem de princesa, e outros olhos numa bandeja, para oferecê-los ao seu algoz. E Santa Luzia, será a mesma? Passou por aqui, não se sabe por onde vai, com seu cavalinho comendo capim. São Longuinho também está de férias e não mais o vemos procurando os perdidos em troca de três pulinhos, ou de três gritos. Três gritos, vá lá! Que são Longuinho era um conspícuo centurião romano e devia estar acostumado com as ordens aos berros em meio de suas hostes. Mas três pulinhos!... oferecidos a um oficial graduado?!...
Terminada a quaresma, voltam os santos aos seus afazeres que é acudir necessitados e infelizes. Os que não têm mais a quem recorrer, senão a meia dúzia de santos desocupados.
Acabou-se a tristeza pentecostal, o que não nos ajuda muito, pois que há outras tristezas imperativas. Não necessitamos de panos roxos para nos lembrarmos da ingrata da vida. Estão aí a TV e os jornais, que não nos deixam esquecer. Está aí o solão de um verão que se eterniza. Estão aí os ventos as enchentes, os corruptos. Estão aí os aeroportos e o PCC. Memento Homo! Lembra-te que és pó. E nada.
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