Ruth Guimarães
De Rui Barbosa, o nosso mítico sábio, o tal cuja fama internacional se inaugurou em Haia, conta-se que ele sabia todas as línguas de cada um dos congressistas. Goza para todo o sempre da admiração dos brasileiros, proeza que não é tão fácil. Depois de viver anos e anos na admiração do povo, esse nosso povo de memória pouca, continua a ser o senhor doutor, a águia de Haia, e a receber outras mostras da mais profunda admiração.
Andava o sábio Rui Barbosa pelo sertão, com uma alimária carregada de instrumento, os que se usavam na época, e fazia e anotava observações. Carros não passavam por aquelas trilhas, quase não havia gente por lá e ele conscienciosamente ia em pessoa fazer um trabalho. Depois de ter se assegurado de que tinha peneirado todas as notícias e observado os acontecimentos, resolveu partir para mais uma série de estudos. Arrumou a parafernália e, enquanto o fazia, o caipira que o hospedava, indagou: Ainda que mal pergunte, a mó-que mecê está de saída...? É verdade amigo, secundou o sábio. Já abusei bastante da sua hospitalidade. Emalei as minhas coisas, como vê, e daqui a meia hora digo-lhe adeus. Seu Doto me desculpe, mas se eu fosse o senhor não ia fazer viagem hoje. Por que não? É que está ameaçando um toró aí. Engano seu, - disse o sábio – já consultei meus aparelhos, a previsão é para tempo bom, firme. O caipira nada mais disse, ajudou a arrear a alimária e lá se foi sertão afora, ou sertão a dentro, o sábio Rui Barbosa. Pois não é que dali a umas três horas ei-lo de volta, molhado, os animais escorrendo água, os aparelhos famosos cobertos de lona, mal e mal protegidos.
- Panhô chuva? – perguntou o caboclo, perfunctoriamente.
- Como vê. Peguei um chuvão antes de subir a serra. Me diga uma coisa. Como foi que você não estudou, não tem acesso à tecnologia, como soube que ia chover? Sabia mais do que eu, que, além de ter estudado muito, estou mais bem aparelhado.
- Ah! Não sou eu não, seu doutor. É o meu burro o Trovão. Quando ele se recolhe e entra embaixo daquele telheiro, é chuva na certa.
No sertão não são somente os animais os meteorologistas. Gente também funciona como arauto do mau tempo. Alguns adivinham, alguns dão palpites. São conhecidos e acatados uns tipos de profetas, que sabem exatamente quando vai chover ou fazer sol.
- Seu Janjão, dá pra plantar milho nesta somana?
- Capaz, meu filho. Chuva agora só dispois di aminhã a quinze dias.
E o mulherio, o que entende de chuva, na nova, na minguante, na cheia!
Todos sabem de cor os animais do tempo. Entendem de vôo das abelhas, de quando os marimbondos se agitam e revoluteam de roda na casa, zumbindo. Sabem interpretar quando a mimosa dormideira se fecha trêmula escondendo as flores cor-de-rosa. Quando a corruíra gargareja. E quando o sapo foi-não-foi avisa,, avisa. E os carreiros de formiga, de mudança para o outro canto da horta. E as galinhas cacarejando alto, de asas abertas, anunciando sol. E há o vôo dos insetos, uns trinados e gorjeios. E o sabiá laranjeira, que faltou ao ensaio.
Esses avisos não são privativos da roça, nem dos sertanejos e dos caipiras. Quem não conhece aquele escriturário, funcionário de repartição que vai para o trabalho mancando:
- Que foi isso, seu Janjão?
- Ah! Os meus calos. Estão me matando. Vem chuva por aí.
Não são só os calos que dão referência de chuva próxima,, mas também os cortes relativamente fundos, cicatrizes de operações, osso quebrado, torceduras.
Diziam os antigos que o Deus vivo, ao deixar a terra dissera: “Adeus mundo, que a dois mil não chegas”!
Mau costume esse dos deuses de quererem destruir o mundo, com os insetos que o povoam. Não é a primeira vez que o bom Deus se enfureceu, nem a última em que os homens vão correndo apaziguá-los. Está no Livro dos Livros a história de uma dessas temidas catástrofes, exatamente porque a humanidade estava sendo mais ou menos o que é hoje. E havia guerras e torpezas, ganâncias, impiedade, injustiças. Então, disse Deus a Noé: o fim de toda a carne é chegado perante a mim. Porque a terra está cheia de violência dos homens eu os destruirei, juntamente com a terra.
Parece que desta vez, neste momento, Deus não falou. Quem pôs a boca no trombone foram os ambientalistas. Ninguém cogita de construir uma Arca, para salvar os justos, se os houver. Selecionar um casal de cada ser vivente para repovoar a terra é tarefa difícil. Vá lá saber isso de selecionar casais , com a confusão reinante na área.
Quando viver era mais fácil, sem complicações nem aquecimento, nem buraco negro, o clima se comportava. Os homens nem tanto, mas influíam menos nas tarefas do bom Deus. As providências eram simples. Mudava-se de um lugar para outro, e quando não chovia, fazia-se promessa para algum santo e levava-se esse intermediário em procissão às terras cultivadas. E aí chovia. E quando chovia demais, como agora, jogava-se farelo de pão para santa Clara, em cima das casas. Santa Clara morreu de fome, dizem.
E agora, que fazer?
O prefeito Zé Louquinho voltou aos processos do Velho Testamento. Via Câmara dos Vereadores de Aparecida exprobou São Pedro de mandar tanta chuva e ordenou-lhe que parasse com isso.
Nós, os poviléu, podemos jogar fatias de pão no telhado, para Santa Clara, que morreu de fome. Se não fizer bem, mal não faz.
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