Ruth Guimarães
Tendo
assistido ao excelente programa de Raul Gil, de apresentação e homenagem aos
compositores e letristas de música popular brasileira, dou-me conta de como
andam esquecidos esses cultores da arte musical no Brasil. E isto não é de
hoje. Quando morreu Orestes Barbosa,
compositor consagrado e de muito valor, não houve nem uma palpitação a
mais. Pensávamos que ele já havia
morrido há tempos. Pois vivia apagadamente,
num canto qualquer, por aí, sem saber de ninguém e ninguém saber dele,
vagamente submerso no seu sonho, o inimitável criador de Chão de Estrelas.
Jamais
teve a popularidade que suscitam as manchetes em caixa alta nos jornais, embora
lhe fosse a deusa Fama propícia. Jamais
se tornou desses ídolos de parar o trânsito e de precisar de proteção
policial. E assim era também o seu
intérprete. Vinha no seu cantar suave,
meio rouco, violão debaixo do braço, o Sílvio Caldas das noites cariocas. Chão de Estrelas era uma espécie de hino
nacional dos morros.
“Minha vida era um palco iluminado
e eu vivia cercado de doirados...”.
Era assim
que o poeta descrevia, definindo-se afinal como um palhaço das perdidas
ilusões. Pertencia, como sabemos, a um
neo-romantismo palavroso. Foi de uma
geração de muito falar e da abundância de adjetivos. Os sentimentos transbordavam e
extravasavam. Quando todo o dicionário
não bastava, inventaram-se palavras. Tempo de reflorescimento e de uma linguagem que, para falar
caridosamente, bem que precisava de alguma poda. Perolário surgiu nessa ocasião. E alma perenal.
A
diferença entre essa geração e a de hoje em dia é que uma falou demais e esta
outra fala de menos. Paulo Rónai se
admirou já das gerações sem palavras, confinadas ao nenhum pensamento, por
falta de expressão, ou mais propriamente, de vocabulário. Muitas são as causas, em principal a falta de
leitura.
Consola-nos
pensar que Orestes Barbosa teceu com palavras exageradas um brilhante
diadema. E fez com que o povo conhecesse
a beleza de imagens raras. Humildes
roupas dependuradas nos varais dos morros transformaram-se: “Nossas roupas
comuns dependuradas nas cordas, quais bandeiras agitadas, semelhavam estranho
festival. Festa dos nossos trapos
coloridos, a mostrar que nos morros mal vestidos é sempre feriado
nacional...” E o povo completava
liricamente com seu poeta que a lua salpicava de estrelas nosso chão. E havia mais: “Um coração sem carinho é ave
que perde o ninho na fúria dos vendavais.
E é triste um ninho rolando e um passarinho cantando em busca de um
canto igual”. Manoel Bandeira, falando,
enlevado das imagens de Orestes Barbosa, cita esta: “Tu pisavas nos astros,
distraída...”
É bom
lembrar que o Romantismo, do qual nem sequer saímos direito, Castro Alves,
Fagundes Varela, e outros poetas punham letras belíssimas nas modinhas e
canções. “Seus olhos são negros negros,
como as noites sem luar, são ardentes são profundos, como o negrume do mar” e
por aí além.
E agora,
não hoje nem na semana passada, mas desde que Orestes deixou de escrever os
seus poemas, a sorte nos valeu. Outro
poeta, Vinícius de Moraes tomou-lhe o lugar. Pois que houve Deus por bem determinar que neste Vale de Lágrimas jamais
chegássemos ao fundo do abismo, eis que nos salva a poesia. De Vinícius:
“Eu só vou se for pra ver
uma estrela aparecer
na manhã do nosso amor”
(Eco, resposta, e revisão deste outro):
“Agora
vivo sentindo, dizendo saudade, rindo, fingindo o que já não sou. Como quem
crença não acha, como quem passa a borracha num lindo trecho que errou.”
Hossana!
Aleluia! Que Deus nos outorgue os poetas! E nô-los conserve e preserve para
sempre amém! E não será este final como se poderia supor, no estilo de o rei
morreu, viva o rei, porque felizmente para nós se este chegou para a renovação
e variação, para a presença da Poesia Perenal, Orestes Barbosa já se tornou
imortal. Saravá!
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