Ruth Guimarães
Havia uma terra onde aqueles que não pagavam dívidas ao morrer eram atirados ao campo, para os corvos. Um homem ia passando pelo campo e viu um cadáver insepulto. Teve muita pena, foi buscar uma enxada, abriu uma sepultura e enterrou-o. Algum tempo, foi preso e não tinha dinheiro para contratar advogado. Então apareceu um homem todo de preto, que se ofereceu para defendê-lo. E defendeu-o tão bem que ele foi absolvido. Agradeceu muito e o homem falou: “Não precisa agradecer, que estou pagando o que devo a você”. - Levou-o ao campo onde tinha sido enterrado aquele cadáver e desapareceu. Aí o homem compreendeu quem era o seu singular defensor.
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“Mio pai nasceu na Bassi Itália. Nóis semo da Calábria. Isto que ele cuntou cunteceu na terra dele. Foi ansim: - um moço foi visitar a namurada. Se vê que o moço dimorou demais na casa da moça e quando ele veio simbora era quase meia noite. E entó ele tinha que atravissá um caminho escuro. E ilo foi andando e na mitade do caminho encontrou uma vela acesa e em cima de uma pedra. Pigô a vela, assoprou ela e levou no volso para casa. No outro dia, quando se deixou acordar, viu um osso de defunto no lugar da vela. Ficou com muito medo e foi se confessar. E o padre falou que ele precisava ir outra vez levar o osso e deixar no lugar onde tinha achado ele. E falou: “Você leva um gato seguro com você. Senão você morre e vai para um lugar ruim, junto com a alma perdida que estava lá”. O moço foi, e levou o gato seguro no braço. À meia noite em ponto passou pelo lugar e deixou o osso. Nessa hora escuitou um barulho, apertou com força o gato para não fugir e correu para casa. Chegou lá o gato estava morto. (Dona Rosa - italiana, analfabeta. Calabresa).
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O PERU
Um agregado de fazenda contou isto: “A minha mãe brigava muito com meu pai. Na roça, a gente guardava água em barril, porque não havia encanamento dentro de casa, e, fora, era água do rio e de mina. Numa noite, a minha mãe sentiu sede e pediu ao meu pai para ir buscar água, que ela estava com muito medo de ir à cozinha. Ele se levantou e foi.
Dali a pouco, voltou porque - disse - não tinha encontrado água. Tinha olhado no barril e estava vazio.
Minha mãe começou a gritar, que era mentira dele, que não podia ser, que o que ele tinha era má vontade, e que ela ia lá buscar a água, que não devia ter pedido nada, para levar com aquela desconsideração. Pulou da cama e foi.
Pego uma caneca, achou água e veio voltando para o quarto, quando, no corredor, deu com um enorme peru, com as asas abertas, que se botou na direção dela. Minha mãe largou a caneca e voou para o quarto. Empurrou a porta, entrou como um furacão, meu pai perguntava, que foi? E a água? E ela não respondia nada. Tinha perdido a fala com o susto.
Nisto, meu pai escutou uma voz que pedia para eles não brigarem mais, que isso causava sofrimento a quem já tinha morrido e lhes queria muito bem. Contou que havia uma alma querendo separar os dois. Que tinha chegado antes dela. A alma perversa era o peru. A voz acrescentou que se eles continuassem a brigar, um poderia matar o outro.
- Quem está falando? - gritou meu pai apavorado.
- Sou a sua mãe que já morreu.
Depois disto não se escutou mais nada, minha mãe recuperou a voz para contar a carreia que levou do peru. Meu pai foi novamente para o corredor, mas não encontrou mais o peru. Daí para a frente, o relacionamento entre eles foi melhorando e eles não brigaram mais”.
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