terça-feira, 23 de abril de 2013

Cenas do bar do João Quadra

Ruth Guimarães 

O bar do João é o quartel general, não dos bêbados, pois está bem claro o letreiro na parede: “é proibido entrar bêbado neste bar. Sair pode”. – mas dos pleibóis de subúrbio que se reúnem para uma prosinha nas horas vagas, que são todas. Também se reúnem ali os pescadores. Sem dúvida Nomói, chamado também João Japonês, tinha um intuito secreto quando passou por lá com um pintassilgo para vender. 

- Está para vender – foi dizendo. 

- Por quanto? 

- Quatrocentos reais. 

As numerosas exclamações de espanto e os comentários nada lisonjeiros, nem para o pássaro, nem para o dono, foram a deixa esperada pelo nissei. 

- Acontece que o passarinho não foi caçado, foi pescado. 

Contou que estava à beira do Tietê, num lugar que dava muito peixe. A isca no anzol nem bem afundava, já se fazia necessário puxar a vara, e era, de segundo em segundo, mais um peixe. 

João Quadra indagou desdenhosamente: 

- Você não precisou cuspir no anzol, pra esfriar? 

Mas João Japonês já continuava entusiasmado a narração. 

Ao jogar a vara, não ouviu o ruído característico. “Baluinho”, dizia ele. Olhou para todos os lados, abaixo e acima, à frente e atrás. Quem sabe estava enroscada a linha? 

- Aí veio outro peixe! Outros anteciparam, sem querer, levados pelo relato. 

Não era. Um pintassilgo, que ia voando sobre a cabeça do pescador, bem na hora de lançar a linha, engolira a minhoca no ar, com anzol e tudo. 

Ninguém riu. Alguém rosnou: ”Esse japorongo está brincando.” 

João Quadra deu um cutucão no compadre. 

- De segundo em segundo você tirava um peixe, hein, Nomói? Assim, hein? Hein, compadre? Conte pra ele! 

Olhou para o cigarro, atentamente, colocou-o entre os dentes, e ele mesmo contou que tinham ido pescar num rio... 

Botelho Netto
Foto de Botelho Netto
- ... meio longe daqui, sabe? E havia tanto peixe, mas tanto, que água não se via. Só as costas dos bichinhos, parecia que o líquido estava coalhando. Lindo! Dava pra pegar com a mão. Então?Ah! nem tinha graça. Um afastava aquela imensidade de peixes, com as duas mãos, abria um espaço, pequetitinho assim, coisinha de nada, o outro – que já tinha a isca pronta – colocava naquele meinho, depressa, o anzol. Pra poder pescar. 
E, diante do olhar incrédulo da turma: 

- Né mesmo, compadre? 

E o compadre Perico, na sua voz grossa, descansado: 

- Se é! 

Antes que voltassem do espanto de tamanha mentira, puxou um pigarrinho, segurou o cigarro de palha, olhou bem pra ele, antes de o segurar nos dentes, sinal infalível de mais conversa e contou outra: 

- Nós estivemos num rio, também meio longinho daqui, onde havia tanto peixe que, percebia-se, não chegava o alimento pra todos dentro d’água. Ou é que peixe é uma nação de bicho esganado mesmo. 

Parou um pouco, resolvendo o assunto, e: 

- Pra poder iscar, era preciso virar de costas para o rio, senão o peixe pulava e vinha comer a minhoca na mão da gente. Né mesmo compadre? 

Compadre Perico, que estava conversando no outro canto, sem prestar atenção à história, parou um pouco, virou-se a meio no banquinho e não perdeu a deixa: 

- Se é!... 

E como João Quadra olhasse outra vez para o cigarro, se concentrando, Nomói pegou a gaiola do pintassilgo, e foi mentir noutro lugar, porque, com aqueles dois lá, não dava pra ir.

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